Reportagem do Zé Grandão

– “O Panorama Debaixo da Ponte”, gosta?
Não entendi, mas gostei. Sílvio Ribas trabalhou na sucursal mineira da Gazeta Mercantil e, depois, chefiou com muita competência a catarinense. Das duas sobraram pautas que ele não teve tempo de transformar em matérias, em geral gostosas de fazer e saborosas. Por isso, quando ficava sem, eu lhe pedia pautas. Agora, lá estava eu diante da mesa do Sílvio, à cata de outra pauta. E ele me sugeria “O Panorama Debaixo da Ponte”.
– Gostei do título. Detalha.
– É a Hercílio Luz. Debaixo dela, em vez de mendigos, moram bares, restaurantes, agências turísticas, escola náutica, estaleiros, empresas pesqueiras. Dá matéria divertida. Quer?
– Deus lhe pague.
– E por cima dela também passou muita história. O Partido Comunista nasceu na cidade pelas mãos dos seus operários. E lá do alto jogaram no mar os ônibus urbanos de Florianópolis.
Ao voltar para minha mesa, e antes mesmo de pedir aprovação da pauta e da viagem para a chefia, vejo César Valente, editor de Política, dono de um dos melhores textos da imprensa brasileira (e pai de Pedro Valente – geninho da nova geração de jornalistas). César é barriga-verde. Vou falar da pauta e ele me interrompe:
– Foi de lá que a população jogou no mar as jardineiras da Viação Valente, da minha família. Tenho tias em Floripa que podem te contar a história inteira.
Além de me ceder as fontes familiares, César ainda me daria outra sorte: chegaria em Florianópolis no mesmo sábado, junto comigo. Mostrou-me a ilha toda, deu-me uma montoeira de dicas e descobriu que a ONG de sua mulher financiava pesquisas oceanográficas – debaixo da ponte. Ela se encarregou de marcar a entrevista com o pesquisador chefe do projeto, da Universidade Federal de Santa Catarina. De quebra, marcou também com o engenheiro responsável pela Hercílio Luz.
Ficou fácil demais fazer a matéria? Ainda não. Gladinston Silvestrini, repórter da sucursal, tinha outra penca de dicas, um belo arquivo e imensa facilidade para agendar entrevistas. E a vida ficaria ainda mais fácil depois de me encontrar, em Floripa, com Geraldo Hasse, velho amigo e companheiro já nos velhos tempos de Abril e da equipe de Reportagem Especial da Folha de S. Paulo. Geraldo, estudioso, conhecia a história da ponte e do Estreito (ainda hoje o bairro mais populoso de Florianópolis) melhor do que muito professor de História local.
Assim, quando o táxi me deixou na 14 de Julho, no Estreito, na manhã de segunda-feira, já sabia tudo sobre (e sob) a Hercílio Luz. Só não sabia que uma das empresas lá instaladas era, simplesmente, uma das maiores indústrias pesqueiras do país.
PS: Com o título “Debaixo da Velha Ponte, um Rico Panorama”, a matéria foi publicada na Gazeta Mercantil, em 06/08/2001.
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