A vida não cabe num prompt
Sílvio Ribas
O mundo humano se extinguiu há milênios. Tudo o que restou foi um menino-robô, testemunha solitária da fragilidade e da grandeza do que fomos. À sua frente, uma forma avançada e alienígena de inteligência tenta compreender a espécie que desapareceu. Coube à IA exalar aquilo que foi humanidade.
Essa imagem ficcional nos remete à realidade do presente. Desde 2024, assistimos à expansão acelerada da IA no cotidiano com espantosa naturalidade. Abrimos as portas de nossas casas, corações e mentes às máquinas que aprendem, simulam e respondem com rapidez inquietante e cada vez mais precisão.
Passamos a conviver com textos, imagens e vozes que não vêm de seres vivos, mas de comandos — prompts, como se convencionou chamar. E quando o mundo começa a ser descrito em termos de entradas e saídas, de instruções e respostas, de dados e previsões, algo se mexe.
Estamos nos aproximando, talvez sem perceber, dos universos imaginados por obras como Jogador Número 1 ou Matrix, onde a realidade não é mais um dado do sensível, mas um território em disputa entre o vivido e o simulado. O risco é ontológico. É existencial.
O que preocupa não é só o desemprego causado pela automação, ou a dependência crescente de sistemas inteligentes. É a possibilidade de erosão lenta, quase imperceptível, daquilo que faz a vida humana ser o milagre que é.
Como preservar a essência nossa — essa alquimia de contradições, de angústias e lampejos, de memórias que doem e encantam, do indizível da poesia — diante de um mundo que cada vez mais se contenta com o funcional, o previsível, o programável?
A vida, com suas nuances e falhas, não pode ser reduzida a parâmetros. Não se escreve um beijo com caracteres digitados. Não se sintetiza um luto com comandos de voz. A paixão, o arrebatamento diante do pôr do sol, o cheiro do café coado pela manhã, a saudade de um trem que já não passa — tudo isso resiste, e deve resistir, à lógica dos algoritmos.
Um prompt pode nos dar uma definição de amor. Mas jamais nos fará sentir o frio na barriga do primeiro encontro. Pode nos oferecer imagens perfeitas de paisagens. Mas nunca reproduzirá o silêncio sagrado de estar diante do mar. Pode escrever versos. Mas não conhecerá o que é chorar por um poema.
Minha provocação aqui é dizer então: a IA nos desafia a aprender o que é ser humano. A distinguir o brilho falso do real. A cultivar aquilo que não cabe nos sistemas: a dúvida, a fé, o mistério, a compaixão. Porque a verdadeira inteligência — aquela que nos move desde o início dos tempos — não é a de prever tudo. É a de continuar, mesmo tateando no escuro.
Com serenidade e veemência, afirmo: a vida não cabe num prompt. Ela pulsa, escapa, transcende. Ela é feita para ser vivida — e não só simulada.
A última cena de Inteligência Artificial (Artificial Intelligence: AI, 2001), dirigido pelo genial Steven Spielberg, é uma daquelas que ficam conosco — não só pela beleza, mas pelo comichão existencial que produz.
O mundo humano se extinguiu há milênios. Tudo o que restou foi um menino-robô, testemunha solitária da fragilidade e da grandeza do que fomos. À sua frente, uma forma avançada e alienígena de inteligência tenta compreender a espécie que desapareceu. Coube à IA exalar aquilo que foi humanidade.
Essa imagem ficcional nos remete à realidade do presente. Desde 2024, assistimos à expansão acelerada da IA no cotidiano com espantosa naturalidade. Abrimos as portas de nossas casas, corações e mentes às máquinas que aprendem, simulam e respondem com rapidez inquietante e cada vez mais precisão.
Passamos a conviver com textos, imagens e vozes que não vêm de seres vivos, mas de comandos — prompts, como se convencionou chamar. E quando o mundo começa a ser descrito em termos de entradas e saídas, de instruções e respostas, de dados e previsões, algo se mexe.
Estamos nos aproximando, talvez sem perceber, dos universos imaginados por obras como Jogador Número 1 ou Matrix, onde a realidade não é mais um dado do sensível, mas um território em disputa entre o vivido e o simulado. O risco é ontológico. É existencial.
O que preocupa não é só o desemprego causado pela automação, ou a dependência crescente de sistemas inteligentes. É a possibilidade de erosão lenta, quase imperceptível, daquilo que faz a vida humana ser o milagre que é.
Como preservar a essência nossa — essa alquimia de contradições, de angústias e lampejos, de memórias que doem e encantam, do indizível da poesia — diante de um mundo que cada vez mais se contenta com o funcional, o previsível, o programável?
A vida, com suas nuances e falhas, não pode ser reduzida a parâmetros. Não se escreve um beijo com caracteres digitados. Não se sintetiza um luto com comandos de voz. A paixão, o arrebatamento diante do pôr do sol, o cheiro do café coado pela manhã, a saudade de um trem que já não passa — tudo isso resiste, e deve resistir, à lógica dos algoritmos.
Um prompt pode nos dar uma definição de amor. Mas jamais nos fará sentir o frio na barriga do primeiro encontro. Pode nos oferecer imagens perfeitas de paisagens. Mas nunca reproduzirá o silêncio sagrado de estar diante do mar. Pode escrever versos. Mas não conhecerá o que é chorar por um poema.
Minha provocação aqui é dizer então: a IA nos desafia a aprender o que é ser humano. A distinguir o brilho falso do real. A cultivar aquilo que não cabe nos sistemas: a dúvida, a fé, o mistério, a compaixão. Porque a verdadeira inteligência — aquela que nos move desde o início dos tempos — não é a de prever tudo. É a de continuar, mesmo tateando no escuro.
Com serenidade e veemência, afirmo: a vida não cabe num prompt. Ela pulsa, escapa, transcende. Ela é feita para ser vivida — e não só simulada.
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