O vovozinho e o lobo bom
A clássica fábula de Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault, ganhou versão inusitada na minha vida — com personagens trocados, um cenário sertanejo e, felizmente, um desfecho tão encantador quanto.
Em vez de uma menina de capuz vermelho e uma floresta sombria, havia o meu avô materno, Ely Ribas, lá na minha terra natal, Curvelo (MG), daqueles anos 1980. Ele morava na rua detrás da minha, numa aconchegante casa.
Naquela pequena cidade no coração do sertão mineiro, um conto mágico ocorreu. O lobo dessa prosa era um belíssimo lobo-guará que surgiu no alpendre do doce vovozinho. Ele não era mau. Só estava assustado e ferido.
O animal, esguio e imponente, tinha mais medo dos humanos do que o inverso. Vinha fugido de queimadas que se alastravam pelo cerrado, expulso para o meio urbano por um mundo cada vez mais hostil ao seu.
Não fez qualquer mal ao velho fazendeiro que o encontrou. Seu Ely, com a serenidade de quem já viu muito, só chamou a polícia florestal. Os agentes logo chegaram, seguidos por pequena multidão de curiosos no portão.
Com laços e varas, eles contiveram o gracioso animal após a resistência. Posto numa caminhonete, seguiu para tratar queimaduras, antes de ser devolvido à natureza. Ficou a história real com ares de conto de fadas.
A presença daquele lobo-guará, ali na entrada do lar, parecia o eco de um tempo ancestral do município. Naquela época não era raro ver veado campeiro atravessando o pequeno sítio do meu pai, na entrada de Curvelo.
Com o avanço acelerado da urbanização, cercas tomaram campos, lotes engoliram flora e fauna nativas. O antes não acabou, mas virou um longe. O encontro entre o idoso sertanejo e o jovem lobo legou a moral da história.
Comentários