Tradição das barracas na beira de estrada

 

A feirinha à beira da estrada de São José da Lagoa, distrito da minha Curvelo (MG), foi um cativante quadro emoldurado pelas janelas de carros e ônibus do meu passado. Lá nos anos 1970 e 1980, quando percorria a sinuosa BR 135, as margens de seu asfalto se transformavam em um mágico mercado a céu aberto, um mostruário completo da diversidade da nossa terra, onde a oferta de pequenos produtores rurais variava conforme as estações.

Nas prateleiras improvisadas, frascos de pimenta, óleo perfumado de pequi e conservas caseiras exibiam suas cores tentadoras. Bacias transbordavam com jabuticabas, cajus, tamarindos, mexericas, jambos, pequis e mangas, cada uma guardando o sabor do cerrado. Garrafas de mel, potes repletos de alho e tempero, bem como as frutas típicas do interior, cativavam nossos sentidos. Essas gostosuras puras enriqueceram nossa cultura sertaneja.

Não era incomum encontrar artigos artesanais, verdadeiras obras-primas do trabalho manual: gamelas esculpidas com esmero, colheres de pau que tinham a história a contar e pilões que eram testemunhas resilientes de tantos preparos culinários. Até mesmo frangos vivos podiam ser adquiridos ali, prontos para serem levados para casa e transformados em uma refeição de domingo da família. Vizinhas do Trevão, as tradicionais barracas de lona dos bravos moradores resistiam ao implacável avançar do tempo.

Elas ganhavam mais agito quando a rodovia desacelerava, com a entrada no perímetro urbano e a imposição dos redutores de velocidade. Era como se a pista nos convidasse para uma pausa, um momento de contemplação das ofertas singulares que aquelas bancas ofereciam.

Mas a magia não se limitava a São José da Lagoa. Ao largo de um trecho de dois quilômetros entre Sete Lagoas, Caetanópolis e Paraopeba, na BR 040, no caminho entre Belo Horizonte e Brasília, encontrávamos os vendedores de isca viva de pesca. Eles eram uma parada obrigatória para os pescadores que rumavam à represa de Três Marias em busca de generosas capturas. Os minhocuçus eram a mercadoria de todo dia, utilizados para seduzir os peixes das águas doces correntes. Tambores para o armazenamento de produtos químicos e outros apetrechos também tinham seu espaço ali.

Era como se o cerrado tivesse escolhido esses valentes comerciantes para serem seus fiéis servidores e curadores de uma vitrine colorida, cheirosa e simpática. Dia após dia, estavam a postos, sem domingo ou feriado. As suas atividades garantiam sustento mensal de milhares de famílias, além de serem o testemunho da resiliência e perseverança própria desse povo.

Os minhoqueiros não vendiam só minhocuçu. Também ofereciam sarapó, raspa e minhocas, segredos bem guardados dos pescadores. E não me esqueço dos balaios e outros produtos confeccionados com destreza a partir das linhas de bambu, uma verdadeira manifestação do talento local. 

A clientela vinha de todas as direções, incluindo os pescadores dos rios Paraopeba, Das Velhas, Paraúna e o grandioso Velho Chico. O Rio São Francisco, aliás, que serpenteia dezenas de municípios mineiros, unia todos no fluxo de histórias e experiências. Hoje, essas memórias evocam simplicidade e autenticidade à beira da estrada e à margem das grandes transformações econômicas.

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