Grandes coisas que coisinhas dizem

 

Como é bom relembrar os dias em que os nossos sorrisos se abriam na mais pura inocência e a nossa imaginação voava por todos os cantos do lar. As carruagens das memórias agora me transportam de volta à infância em Curvelo (MG), lá nos distantes 1970s e 1980s, quando coisinhas diziam grandes coisas.

Em meio a tantos fetiches doces, recordo da velha canequinha plástica azul, com borboletas pretas pintadas, largada no fundo da lata de açúcar e com as suas crostas de cristais fixadas pelo tempo. Enchê-la era a parte preparatória do ritual de coar café. Depois, era só fritar sonho, assar broa e até cozinhar milho verde.

Da cozinha para o quarto vejo os álbuns de figurinhas, com o bonitão da Disney em destaque, só esperando eu trocar as repetidas e comprar as novas. Perto dele, o jarrão colorido de porcelana sobre a cômoda guardava rabiscos, trocos de padaria, lápis e tralhas esquecidas. Sob a cama, jaziam tampinhas de garrafa, que, fincadas no isopor, viraram coleção de raridades.

Que saudade das cadeiras de xis, os assentos finos de reuniões animadas e de partidas de tabuleiro sem hora para acabar! As cortinas pesadas pendidas na frente da porta de correr de vidro ganhavam vida à cada contravento ou passeio de silhueta no lado de fora. Os vasos de cantos eram, por sua vez, as guaritas ocupadas por vegetais.

As lembranças também eram servidas em porta-panelas dobráveis de tiras trançadas de madeira envernizada, responsáveis por dar suporte a refeições triviais ou especiais e ainda por testemunhar causos saborosos contados à mesa. E como esquecer os pratos brancos com motivos de peixe cor-de-laranja, as alvas xicrinhas com detalhes azuis e as gargalhadas de tios e primos que nos visitavam?

Devo lembrar também, claro que sim, do canequinho de ferro com esmalte descascado na sua base. Mais importante ainda nessa jornada nostálgica é resgatar a história do meu fiel panda de pelúcia, o adorável companheiro Teddy Bear, nascido lá na América. Aconchegando-me nas silenciosas noites, o presente da tia Ruth era o meu felpudo confidente das minhas tristezas e esperanças.

Todos os brinquedos, simples ou estribados, juntavam a realidade com os reinos mágicos. O batmóvel, da Gulliver, cruzava estradas de terra do quintal e o Falcon olhos-de-águia, da Estrela, avistava tropas inimigas. Ainda fica na mente as pistolinhas de água azuis com cabos sanfonados, jorrando frescor e alegria nas tardes quentes.

Como esquecer do revólver 38 de espoleta comprado na barraquinha de São Geraldo? Seus estampidos ecoam nas batalhas imaginárias em lotes vagos. Os jogos de botão com botões de roupa rolavam animadamente no verde estrelão. Nossos dedinhos penteavam cabelos com pente de bolso Flamengo e, ainda, erguiam verdadeiras cidades feitas de tijolinhos modulados.

O vai-e-vem na forma de bola de futebol americano ou na do audacioso herói Capitão Bravo corria zunindo o fio de náilon esticado entre os dois participantes da brincadeira. As bolas de borracha castigadas por peladas, por sua vez, carregavam consigo as marcas das boladas que dávamos e recebíamos. E o que dizer do frasco de vidro com álcool a guardar uma aranha? Assustador.  

Hora de nanar. Hora de vestir pijaminhas que nos embalavam. Um era de feltro azul com cachorrinhos e o outro, de linho branco com astronautas e foguetes. Ambos davam-me abraços e soninho confortável. Ao despertar para o novo dia, os kichutes e as congas eram parceiros de pés ansiosos por novas descobertas.

Por fim, o surreal do real. As formas abstratas dos pisos de banheiro e da sala eram decifradas pelos meus pacientes olhos: gatos de chapéu, maria fumaça e bailarinos do Fantástico. Afoito, monto o “cavalinho de pau” a partir do galho seco de palmeira da Praça da Matriz de Santo Antônio e saio galopando para aventuras e outras destinos inesquecíveis. Obrigado, pequenas coisas, pela sua grandeza na minha vida.

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