Vozes do aquém

Quando a humanidade se curva ao celular em ambos sentidos, sobretudo a sua parcela mais jovem, fico curioso sobre o saldo negativo dessa rendição, se será mais postural ou mais intelectual. Como pai de adolescente, a minha preocupação maior se alimenta hoje justamente de pesquisas que atestam prejuízos sociais e sanitários com a exposição abusiva às telas de aparelhos online. O que mais me assusta é o dado que indica o progressivo e inédito recuo de capacidade cognitiva das novas gerações em relação às anteriores.

A extrema facilidade de acesso às informa
ções deveria, em tese, ajudar a construir e a disseminar conhecimento, à medida que elimina a distância entre os saberes e os indivíduos de instrução incompleta. Mas a realidade nua e crua aponta para a direção contrária, em virtude de efeitos colaterais indesejados, tais como crescente desatenção, preguiça e insensibilidade. Assim fica até fácil entender o porquê de os líderes das maiores companhias de tecnologia matricularem seus filhos em escolas de metodologia off-line.


O paralelo que faço a respeito deste cenário concreto é com o constatado por estudiosos ao avaliar impactos sobre as silhuetas desde o surgimento das escadas rolantes, dos elevadores e dos vidros elétricos de carros. Com menos gasto calórico, tivemos até de pagar a academias de ginástica para recuperar o movimento perdido. No caso das miragens digitais, cérebros deixaram de percorrer bibliotecas, abdicaram do crucial foco e se afogaram em dopamina e cortisol induzidos pela rolagem de vídeos curtos e tolos.

Pesquisadores afirmam que miolos ficam flácidos ao serem levados pela enxurrada de notificações, manchetes, fotos, formulários pré-preenchidos, cálculos automáticos e navegações por satélite. A memorização, que requer alma desperta e emoções puras, é outra prejudicada pelas mãos cheias de vazios. Vejo fantasmas se disser que o celular, como sequestrador-mor da atenção, cria sonâmbulos digitais sob a luz do meio-dia? Passou da hora de se abrir espaços detox, exercitar inteligências e renegar as vozes do aquém.

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