Twist and Chao

É impossível para um sobrevivente da Gazeta Mercantil relembrar os anos dourados do "maior diário de economia do hemisfério sul", na segunda metade da década de 1990, sem ceder à nostalgia. Sobretudo nos tempos atuais, tão adversos aos profissionais de noticiosos impressos.

Com os colegas de redação daquele veículo extinto rememoro reportagens marcantes, condições materiais e editoriais para se trabalhar até hoje insuperáveis e, sobretudo, episódios envolvendo grandes nomes do jornalismo.

Fazer parte dessa história é uma honra e ter lidado com uma seleção de craques com tinta nas veias e personalidade marcante, um privilégio. Não canso de reler livros que mostram isso, como os do inesquecível José Roberto Alencar e a coletânea Vida Brasileira.

Esses cativantes monstros estavam tanto no vistoso prédio de Santo Amaro quanto em elegantes sucursais espalhadas por todas as regiões do País, além de correspondentes na Europa e nos Estados Unidos. Era uma constelação de talentosos jornalistas de todas as origens e idades – de um foca promissor a um decano Armênio Guedes –, que rendia lições sobre o nobre ofício e doces lembranças. Depois desse longo nariz de cera, ofereço flash backs.

Na frente da sede paulistana, nosso pós-expediente se dava num boteco “copo sujo” instalado numa Kombi, nada parecido com os sofisticados food trucks de hoje. Chefias de aquário, repórteres e diagramadores papeavam ali democraticamente madrugada adentro. Lá ríamos de histórias engraçadas do cotidiano, como a do “Recall da Mazda”, a inacreditável falha nascida de uma hilária sequência de disparates. Convido seus personagens a escreverem um artigo sobre a antológica barrigada.

O bico de pena, técnica clássica de ilustração jornalística, era uma marca e um orgulho do jornal, tendo à frente artistas como a genial Conceição Cahú. Lembro da vez em que o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Serafim Fernandes de Araújo, saiu retratado como executivo engravatado devido à foto usada como modelo, na qual aparecia com mãos postas, escondendo a gola de padre. Teve uma vez também que o obituário de uma premiada vaca do Triângulo Mineiro, mãe de centenas de filhos gerados por outras, mereceu o desenho da finada em três colunas.

Por enquanto, a reminiscência final que saco do baú é a protagonizada pelo simpático Eduardo Chao Ribeiro, grande amigo nascido no Macau, território chinês de colonização portuguesa. O editor era o anfitrião de encontros festivos da GZM, realizados no belo recanto cultural dos macauenses às margens da Represa Guarapiranga, na capital paulista.

Certa vez, ele revelou que estava entre os 50 mil asiáticos que assistiram a um histórico show dos Beatles em Manilla, nas Filipinas, em 4 julho de 1966. “Não conseguimos ouvir nenhuma música direito, mas vibraaaamos o tempo todo”. O trocadilho que fiz, o do título desse texto, me ajudou a nunca esquecer a frase. Um brinde à amizade que nunca saía da pauta e da memória.

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