Notas da reforma do ensino médio

Sílvio Ribas

O presidente Michel Temer editou semana passada (22) Medida Provisória (MP) que trata da reforma do currículo do ensino médio. O texto torna as disciplinas de artes, filosofia, sociologia e educação física opcionais, aumenta a carga horária, fomenta a implantação de escolas em tempo integral e flexibiliza a grade curricular no rumo da formação profissional.

A proposta implica em gastos aos estados, com elevação da carga horária de 800 para 1,4 mil horas/aula por ano. 

Os currículos se concentrarão em cinco ênfases: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências sociais, ciências humanas e formação técnica profissional. A flexibilização ainda permite os sistemas estaduais criarem currículos e políticas.

Com a reforma, só português, matemática e inglês devem ser obrigatórias para o fim do ciclo (hoje são 13: português, literatura, matemática, geografia, história, física, química, biologia, língua estrangeira, educação física, artes, filosofia e sociologia), enquanto as disciplinas restantes serão escolhidas pelo aluno ou pela escola.

A MP tem, pois, o mérito de dar autonomia ao estudante para se escolher caminhos profissionais e acadêmicos, além de incluir a formação técnica na carga horária.

A iniciativa foi uma reação aos indicadores de qualidade insatisfatórios, com objetivo de tornar o ensino médio mais atraente, contendo a evasão escolar e acelerando mudanças debatidas há anos pelo setor. Em 2013, o governo da então presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso projeto de lei praticamente com as mesmas mudanças propostas pela MP. 

Na apresentação da MP, Temer frisou que não haverá redução de investimentos na área da educação, supostamente ameaçadas pela aprovação da PEC 241, que fixa teto para os gastos públicos.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, decretou a “falência do ensino médio”, expressa na estagnação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) desde 2011.

Para justificar a urgência de uma MP, afirmou: “os jovens têm hoje menos conhecimentos em matemática e português do que no fim da década de 1990. Temos 1,7 milhão de jovens entre 15 e 24 anos que nem estudam e nem trabalham. Só 18% dos jovens de 18 a 24 anos ingressa no ensino superior e a população jovem no país entrará em declínio após 2022”.

O ministro fixou como meta atender 500 mil jovens em escolas em tempo integral até dezembro de 2018, o dobro do atual. Para isso, o governo pretende investir R$ 1,5 bilhão ao longo de dois anos e implementar a Escola em Tempo Integral como política no primeiro semestre de 2017.

Apesar de a MP ter efeito imediato, por 120 dias, as medidas devem ser debatidas e estarem definidas em meados do ano que vem, segundo o governo. Assim, devem entrar em vigor de fato no ano letivo de 2018.

A reforma vai na direção certa em dois pontos: mais flexibilização e, principalmente, mais tempo. De toda forma, o texto da MP será discutido e poderá ser aperfeiçoado. O Congresso tem a obrigação de aprofundar o debate com o devido senso de urgência.



OS DOIS LADOS DA REFORMA
Posições em relação aos principais pontos da MP 47

11)    FLEXIBILIZAÇÃO DO CURRÍCULO

FAVORÁVEIS – O Ministério da Educação entende que permitir alunos e escolas escolherem o aprofundamento em algumas matérias sintoniza o currículo com as necessidades e vocações dos jovens, sem imposições. Com as atuais 13 disciplinas, a verdade é que o aluno vê tudo e não vê nada. Com a mudança, haverá direcionamento para seus interesses, para o que quer seguir e com o local onde mora.

CONTRÁRIOS – A Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) defende que as medidas criam uma cortina de fumaça para questões estruturais, como a formação de professores e redução do número de alunos por classe. A ONG afirma que artes, educação física, filosofia e sociologia têm de ser obrigatórias pois levam à formação plena do cidadão.

No lado da atuação dos professores, a MP traz um ponto polêmico ao abrir espaço para “profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação”. É algo subjetivo, embora se entenda que o currículo serve como credencial para lecionar especificamente. Os cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular.


22)    CARGA HORÁRIA AMPLIADA

FAVORÁVEIS – Gradualmente, as escolas passarão a ser integrais, passando a carga horária de 800 para 1,4 mil horas anuais. Assim, os alunos passarão a ficar sete horas por dia em sala de aula. Defensores da ampliação da carga horária afirmam que a aposta é eficiente, sobretudo se ancorada em projeto pedagógico. Pernambuco, por exemplo, vem investindo na educação em tempo integral aliada a políticas que melhoraram o Ideb. No estado, 45% das escolas têm horário integral.

CONTRÁRIOS – De nada adianta ampliar a quantidade de horas, sem avançar na qualidade. Para os críticos, um número maior de tempo nas condições atuais só ampliará o desinteresse dos alunos, especialmente ao se tirar as disciplinas que tendem a gostar, como educação física e artes. O governo reiterou que essa mudança será gradual.

33)    MEDIDA PROVISÓRIA

FAVORÁVEIS – Os péssimos índices no ensino médio exigiam uma medida urgente. A MP foi, pois, a maneira escolhida para colocar em prática o projeto de lei (PL 6.840) que tramita na Câmara desde 2013 e que já produziu muito debate. Se optasse pelo caminho do Legislativo, a proposta poderia ser implementada só em 2019. As reações em contrário mais imediatas refletiriam interesses corporativos.

CONTRÁRIOS – Uma mudança dessas exige um debate sério e mais amplo e não uma simples canetada. Em nenhum lugar do mundo, uma reforma dessa envergadura é colocada em prática dessa forma. Na Austrália se levou dois anos, na Finlândia, 10. Seria desejável ouvir professores e alunos. A MP seria, pois, autoritária, e supostamente voltada para demandas de grupos educacionais, permitindo que o Executivo atue como legislador.

44)    FALTA DE DETALHES

FAVORÁVEIS – As idas e vindas por parte do governo e a falta de detalhamento em fatores como quando exatamente as medidas devem de fato entrar em vigor representam apenas o primeiro passo. Os próximos passos merecem atenção, sobretudo a articulação com os estados.

CONTRÁRIOS – O governo falhou, pois podia ter divulgado um documento mais detalhado. Apesar disso, mesmo críticos consideram a MP promissora na sua essência, lamentando apenas as idas e vindas do governo. O fato de as escolas não serem obrigadas a oferecer as cinco ênfases gerou confusão.  

55)    FINANCIAMENTO FUTURO

FAVORÁVEIS – O governo nega que as mudanças implicarão em mais gastos para os estados, afirmando que o grosso dos recursos para se colocar em prática as mudanças será repassado pelo Ministério da Educação.

CRÍTICOS – Quem duvida que a mudança não implicará em mais custos aos cofres estaduais lembra que a PEC 241, que limita os gastos dos gastos públicos, não abre espaço para novos investimentos no setor educacional. Na rede privada, representantes já disseram que haverá aumento na mensalidade para se bancar mais horas/aulas.


OUTRAS NOVIDADES

ENSINO TÉCNICO – Na maioria das escolas técnicas hoje, os alunos fazem os três anos de ensino médio para, só depois, entrarem no ensino técnico pelo período de um ano e um ano e meio. Com as novas regras, ao fim de 18 meses, ele já poderá optar pelo ensino técnico.

Assim, no período de três anos, ao invés de quatro e meio, o jovem já teria capacidade de ingressar no mercado de trabalho com formação específica. As aulas, segundo o Ministério da Educação, terão de ser teóricas e práticas. Com o diploma os jovens também poderão concorrer a vagas em universidades ou em cursos tecnológicos.

CRÉDITO NO ENSINO SUPERIOR – Depois que o Conselho Nacional de Educação normatizar a questão, os créditos do ensino médio poderão ser aproveitados no superior. Ou seja, depois de ingressar na universidade, o aluno não precisará cursar disciplinas que envolvem conhecimentos que já obteve na etapa anterior de ensino.

Comentários