O mar virou sertão

Por Silvio Ribas Parece uma imagem do fim do mundo. Mas, para ser mais racional, trata-se do retrato mais explícito da maior catástrofe ambiental já registrada nesta potência verde chamada Brasil. No Norte de Minas Gerais, concentram-se as cenas mais chocantes do atual estresse hídrico do país, drama que desafia os serviços de saneamento básico na maior cidade brasileira e transborda para toda a população na forma de iminente colapso no abastecimento elétrico. Fotos e relatos de testemunhas locais não deixam dúvida sobre o tamanho do estrago gerado pela irresponsabilidade de governos. Debaixo de longas pontes, onde deveriam vicejar caudaloso curso de água, peixes e embarcações, resplandecem agora tristes campos de terra. Populações vizinhas de gigantescos reservatórios de hidrelétricas veem as torneiras de suas casas secarem e têm de fazer fila nos caminhões-pipa. Vista por satélites, a região de centenas de municípios sustentados pela economia rural desenha um mosaico ainda mais aterrador: o atestado de óbito de córregos, ribeirões e lagoas. O discurso oficial é incapaz de explicar tanta crueldade, pois, certamente, ela não é fruto apenas das longas estiagens, como a última, a maior em 80 anos. A desidratação do São Francisco, outrora rio da integração nacional, e de outros importantes no meio do sertão de Guimarães Rosa, avançou com rapidez desde a última década do século passado e, o pior, sem que a nação percebesse. A urbanização acelerada, o despejo indiscriminado de esgotos na correnteza, o corte de matas ciliares, o avanço de pastos abertos pelo fogo e a negação de medidas mitigadoras descambaram numa tragédia que mina a saúde do povo e as atividades produtivas, com prejuízos bilionários. Para os quem vive nas comunidades mineiras afetadas pela destruição hidrográfica, sobretudo os das antigas, os transtornos vão além da escassez do elemento essencial à vida humana. Eles lamentam a evaporação não só da água, mas também do transporte fluvial, da promessa de projetos de irrigação e da sua rica cultura. De Pirapora, sede da versão tupiniquim do lendário Rio Mississipi americano, os barcos a vapor sumiram. Sobrou só a gaiola centenária do Benjamim Guimarães. Em Três Marias, da represa cinquentenária ainda são pescados suculentos surubins, mas esse mar doce tem sido perene em notícias amargas. Tomara que a dor do Velho Chico não leve à erosão da esperança. Fonte: Correio Braziliense de ontem

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