O gato caiu do telhado

Por Sílvio Ribas No vocabulário popular, gato é sinônimo de gambiarra. Um arranjo feito por gente mal-intencionada para esconder uma realidade inconveniente ou para fazer com que as inconveniências pareçam algo superficial e transitório. O gato também é o personagem de uma velha anedota, na qual um cidadão ensina o outro como dar uma notícia fatídica de forma gradual, preparando o interlocutor para o susto a seguir. “O gato subiu no telhado”, relataria o primeiro exemplo de telegrama de uma série, que culminaria na informação sobre a morte do bichano. Para o setor elétrico, o governo recorre desde 2012 a uma série de gatos destinados a domar preços, a condicionar empresas privadas a planos federais e, por fim, a impedir efeitos colaterais indesejados nas urnas. Tais manobras esbarraram na aversão de investidores e nas más condições climáticas, configurando-se em uma bola de neve com prejuízos bilionários que já começaram a se transformar em contas, a serem pagas direta e indiretamente pelo contribuinte. Esse quadro de crescente tensão, tendo os baixíssimos níveis dos reservatórios como pano de fundo, estão sendo tratados pelo Palácio do Planalto tal qual na piada do gato no telhado. Em vez de assumir a real gravidade dos fatos, prefere o gradualismo na divulgação dos dados sobre os riscos de desabastecimento e a adoção de mais e mais escaramuças para adiar a má notícia. Na mão inversa dos apelos de empresários, consultores e técnicos dos próprios órgãos envolvidos, as autoridades admitem apenas nas entrelinhas o risco de serem obrigadas a anunciar “medidas excepcionais”. Ocorre, contudo, que o entulho sob o tapete está visível a quase todos, sendo que alguns o perceberam com um tropeço. Nos corredores do poder, a palavra racionamento foi banida da mesma forma que privatização. Tudo para não se estabelecer uma ponte entre a crise atual com a de 2001, que custou milhões de votos à candidatura presidencial do PSDB no ano seguinte. O consultor João Camilo Penna, ex-presidente de Furnas, da Eletrobrás e da Cemig e um dos mentores do racionamento do governo Fernando Henrique Cardoso, lamenta que a presidente Dilma Rousseff não tenha se dobrado aos fatos e pelo menos pedido à população que economizasse na conta de luz. Isso evitaria uma fatura que já passa de R$ 30 bilhões apenas em geração termelétrica, sem contar as perdas promovidas pelo novo marco regulatório do setor, via Medida Provisória (MP) 579. “A situação ainda é preocupante”, alertou. A falta de diálogo com os agentes do setor elétrico e as medidas adotadas para tentar erros de outras medidas está prestes a resultar em algo mais grave. Alguns lembram que o prejuízo de R$ 13 bilhões, acumulado nos últimos dois anos pela Eletrobras, maior vítima das intervenções da MP e de outros usos políticos da estatal, vai acabar sendo coberto pelo Tesouro Nacional. Mas ainda há outros que veem tragédia maior da iminente queda do felino do alto da casa: a perda de confiança institucional no ONS, na Aneel e na EPE, as siglas responsáveis pela gestão do sistema interligado nacional. Nos comunicados onde começam a parecer temores de chuvas ainda insuficientes e probabilidades de controle da oferta de eletricidade, emergem certezas de eufemismos do tipo “racionalização” e “ações pontuais”. Quanto mais tempo perdido, mais amargo o epílogo. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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