O 10º apagão da Era Dilma

Por Sílvio Ribas
As elevadas temperaturas registradas em janeiro combinada com a maior estiagem para esse mês em 60 anos expuseram ontem graves deficiências do sistema elétrico nacional e ainda deram novo impulso ao pior pesadelo para a presidente Dilma Rousseff — o racionamento de energia. Apenas um dia após o ministro de Minas e Energia Edison Lobão afirmar que o risco de um desabastecimento de eletricidade no país era “zero”, uma simples falha numa linha de transmissão que liga o Norte ao Sudeste provocou no início da tarde um apagão, o décimo do atual governo, que deixou cerca de 6 milhões de pessoas sem luz em 11 estados das regiões Norte, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Analistas acreditam que um descompasso na distribuição das cargas entre o Norte e o Sul do país provocado pela elevada demanda de energia nas horas mais quentes do dia levou a um colapso de uma das principais conexões do Sistema Interligado Nacional (SIN). A exemplo da série de apagões de grandes proporções que vêm atingindo o país desde 2008, eles enxergam crescente fragilidade do setor em decorrência da falta de planejamento e de investimentos em manutenção de redes, além de atrasos na entrega de equipamentos de proteção e de novas usinas geradoras. O governo tentou minimizar a extensão do primeiro grande blecaute de 2014 e procurou desvincular sua ocorrência ao aumento do consumo combinado aos baixos níveis dos reservatórios. Segundo o Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS), órgão gestor das instalações de geração e distribuição chegaram às hidrelétricas do país, só 55% da água das chuvas esperada para janeiro. Trata-se do menor nível desde 1954. Esse quadro levou concessionárias estaduais de saneamento e energia a pedir à população que economizasse recursos hídricos. O acúmulo de problemas coloca em xeque o modelo criado pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, em vigor desde 2003. Curiosamente, apesar de Brasília não ter sido afetada pelo apagão, a presidente despachou ontem no Palácio da Alvorada, sua residência oficial, devido à parada do ar-condicionado de seu gabinete de trabalho, no terceiro andar do Palácio do Planalto, em manutenção. “O evento ocorrido hoje (ontem) pode ser considerado de médio porte, pois comprometeu só 8% da carga envolvida. De toda forma é cedo para avaliar o fato que ainda será detalhado pelo ONS nos próximos dias e investigado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”, contemporizou o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, em entrevista coletiva. O número 2 da pasta repetiu o discurso de véspera de Lobão, para “levar tranquilidade ao mercado e à população”, descartando novos riscos ao atendimento à população em razão da falta de chuvas e da queda no nível dos reservatórios de hidrelétricas. Ele torce para que o início do chamado período úmido, no fim de fevereiro, possam mudar as expectativas. Para ele, a falha que tomou boa parte do país ontem nada tem a ver com a sobrecarga ao sistema, acrescentando que o sistema está “equilibrado”. O secretário também rebateu a aposta de analistas de elevação do risco de racionamento de 5% (média padrão adotada pelo governo) para 20%. “Disseram isso em 2008 e 2012, mas nada ocorreu. Os problemas são conjunturais e não estruturais”, discursou. Conforme o ONS, o acidente — ainda sem causas conhecidas — ocorreu às 14h03 e a chamada “perturbação” no SIN foi detectada entre as cidades de Colinas (TO) e Minaçu (GO), onde está localizada a hidrelétrica de Serra da Mesa. O transtorno interrompeu o fornecimento de aproximadamente 5 mil MW (megawatts) por, pelo menos, 35 minutos, quando iniciou o restabelecimento. “Para evitar a propagação do evento, houve desligamento automático de cargas selecionadas pelos distribuidores locais, visando restabelecer o sistema”, divulgou o órgão em comunicado. O diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, também disse em entrevista coletiva, que a forte demanda de energia pelos consumidores não teve relação com o apagão. “Todos os equipamentos estão operando dentro dos padrões para os quais eles estavam planejados”, observou. A suspeita até agora é de o acidente envolveu um transformador e outros dois equipamentos na sequência. No estado de São Paulo, a Eletropaulo informou que o apagão atingiu a Grande São Paulo e importantes bairros da capital paulista. Ao todo, 1,2 milhão foram prejudicados. A Light e a Ampla, concessionárias do Rio de Janeiro perceberam falhas em bairros do Subúrbio e Zona Oeste do Rio e Baixada Fluminense, com perdas para 880 mil cidadãos. Apenas na capital foram 600 mil pessoas afetadas. A Copel indentificou corte para 355 mil consumidores em diversas regiões do Paraná. O fornecimento de energia elétrica no Rio Grande do Sul foi cortado em pelo menos 11 municípios cobertos pela RGE e pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). O último episódio do tipo ocorreu em agosto do ano passado, quando uma queimada em uma fazenda do Piauí derrubou cabos e deixou todos os estados do Nordeste no escuro por algumas horas. Em 22 de setembro de 2012, um problema nas conexões com o Sudeste atingiu o fornecimento em parte do Nordeste. Em outubro daquele ano, outra ocorrência afetou toda a região entre o fim da noite do dia 25 e início da madrugada do dia 26. Em nota, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), apontou a má gestão e o intervencionismo estatal como causas do apagão de ontem. “O governo afugentou investimentos e, se não chover rapidamente, os apagões poderão ser maiores ainda no futuro”, afirmou. O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), apresentou requerimento pedindo a convocação de Edison Lobão para falar sobre a política energética e os apagões mais recentes. O presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), vai analisar o pedido. “A política energética do governo está fracassando, mesmo com a concessão de subsídio na veia por parte do Tesouro”, argumentou Mendonça Filho. O deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), como presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura, disse que o setor elétrico atravessa “momento de estresse” e o apagão de ontem é fruto de lacunas do planejamento. Ele ressaltou que o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou levantamento sobre a situação do setor elétrico e identificou falhas que se repetem. “Lobão sempre diz que o sistema elétrico é robusto para ocultar fatos negativos ao governo”, finalizou Jardim.
Em pleno ano eleitoral, a evidente escassez da geração— dominada por usinas hidrelétricas e completado por termelétricas — elevou as cotações da eletricidade no mercado livre a níveis oito vezes superiores à sua média histórica, de R$ 102 o megawatt. O valor bateu no teto de R$ 822, a exemplo dos tempos do chamado “Apagão do governo FHC”, em 2001, quando a cotação máxima para a época ultrapassou a barreira de R$ 500. A menos que o Tesouro volte a cobrir os rombos nas contas das distribuidoras, as contas começaram a refletir os preços nas alturas ainda em meados deste ano. Entre os efeitos imediatos do salto no preço salgado do megawatt-hora (MWh) pago pela indústria está o fechamento ou a migração de fábricas para países vizinhos. Não por acaso, o governo cercou arenas da Copa do Mundo de geradores, para evitar o vexame de cortes de luz em dias de jogo durante o auge da estiagem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. O especialistas lembram que o pior está mesmo por vir, quando chegar ao bolso do consumidor final os preços do atacado. “Os valores praticados no mercado livre são apenas a expressão monetária da oferta de energia no país. Sobem quando há escassez e ficam baixos quando há excedem a demanda”, disse Reginaldo Medeiros, presidente da Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). Apesar de o ministro de Minas e Energia descartar qualquer risco de desabastecimento, o executivo ressaltou ser, sim, motivo de preocupação a grave dependência de um regime de chuvas satisfatório no ano. “Estamos no 17º mês consecutivo de uso intensivo de usinas térmicas para não ficar na mão de São Pedro”, sublinhou Medeiros. Em setembro de 2012, para fazer média com o consumidor e tentar controlar o avanço da inflação, o governo editou Medida Provisória (MP) 579, que obrigava as geradoras e transmissoras de energia a baixar tarifas, como condição para renovar suas concessões. Com a redução forçada das tarifas, sem negociação com os agentes do setor impulsionou o consumo e ainda deixou o mercado desconfiado e os contratos frágeis juridicamente.

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