É outra conversa

A boa prosa dos poetas cariocas Ana Cristina César e Armando Freitas Filho rendia até sete horasnumsó telefonema. As cartas enviadas pela escritora Clarice Lispector aos amigos eram tão antológicas quanto seus romances. O debate político de jornalistas,madrugada adentro nas mesas da Cantina do Lucas, de Belo Horizonte, “derrubava” governos. Esses férteis encontros de almas de até duas décadas atrás soam hoje nostálgicos porque diferemmuito dos de hoje, nos quais a crônica falta de tempo nos reduz a meros sinaleiros da própria existência. Essa observação vinha me inquietando nas últimas semanas e foi corroborada com o lúcido texto da articulistaMaria Paula na Revista do Correio do último domingo e pela reflexão do editor executivo do jornal, Carlos Alexandre, esta semana e neste espaço. Eles confirmaram o meu temor de que a boa conversa está em extinção, ameaçada pelas frenéticas, superficiais e abusivas comunicações on-line. A mesma ferramenta que rompe fronteiras para conectar pessoas de todo o mundo é a que anula o papo, a mais elementar formade relacionamento. A dificuldade em se conhecer de fato um interlocutor está justamente na imposição do discurso breve e publicitário das interfaces cibernéticas. Em vez de polemizar, basta causar. Em vez de ler, nos contentamos em ver. Em vez de denunciar, queremos escandalizar. Essa nova etiqueta social, que rouba a atenção de indivíduos na rua, no show, na missa e até no banheiro, dá algum espaço para a criatividade e ajuda a mobilizar multidões para temas críticos. Mas espanta ver a ditadura do presente onipresente da internet que faz do passado um adereço e o futuro um pântano escuro. É conversando que se entende, desde vizinhos a nações inteiras. Tuitando, feicebuqueando, uatzapiando, instagraneando e torpedeando SMS temos a ilusão de que estamos falando mais com mais gente quando, na maioria das vezes, estamos falando ao espelho, sem dizer nada a ninguém. Até mesmo o colóquio com a(o) companheira(o) de vida está jogando a toalha, vencido pelo cansaço. Crianças desconhecem letras cursivas e saem teclando gírias fragmentadas e indigentes. A paz trazida pela sabedoria da velhice começa ficar incerta com tanta ansiedade de internet. Acabaremos sós, com mundos interiores arrasados pela falta de respeitoso e gratificante intercâmbio. Fonte: Correio Braziliense de 28 de novembro de 2013

Comentários