Procuram-se responsáveis

O primeiro ensinamento que recebi quando criança é que o futuro promissor pertence aos responsáveis. O substantivo que também é adjetivo representa o valor de estar comprometido com as obrigações cotidianas: estudar, arrumar o quarto, cuidar da própria higiene e respeitar as agendas previamente combinadas com terceiros. A lição tinha todo o peso e também todas as sanções correspondentes daqueles agora longínquos anos 1970 e 1980. O garoto e o adolescente podiam até escapar dos seus afazeres ou posturas esperadas, mas a conta da irresponsabilidade era sempre calculada em seguida e posta sobre a mesa. E cumprir bem as ações banais podia render elogios. Fiz essa reminiscência não para louvar regras inflexíveis de disciplina, mas para ressaltar a enorme escassez de responsabilização do mundo atual, em especial no Brasil. O lamentável jogo de empurra da recente tragédia de Santa Maria (RS) coroou a minha percepção de que "não é comigo" ou "vá ao próximo atendente" se espalharam ao nosso redor. Isso vai do serviço de atendimento ao cliente às grandes autoridades. Gente séria convive com os relapsos. Eleitos não obedecem ou temem leis, governantes não cumprem planos de investimentos, empreiteiras não entregam a obra contratada, servidores ignoram os clamores de colegas e de cidadãos, pais deixam os filhos entregues às feras da selva de pedra... A culpa é sempre de um outro qualquer e não assumir responsabilidades só leva a situações funestas. A democracia que o país conquistou a duras penas não veio apenas para consagrar um paraíso terreno de direitos universais garantidos constitucionalmente. A sua contrapartida são os deveres de Estado e de cidadãos. Se o irresponsável que bebe ao volante se embriaga de direitos, o dever de respeitar a vida do outro se perde nas ferragens. Se um fiscal de segurança pública fecha os olhos à irresponsabilidade do fiscalizado e abre a mão à propina, o interesse individual massacra o interesse coletivo. E por aí vai. Sem o senso comum do dever, todos devem a todos e a sociedade não pode ser chamada como tal. (Sílvio Ribas. Publicado no Correio Braziliense de hoje)

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