Feijão a R$ 6

Sílvio Ribas

Havia um tempo neste país em que trabalhadores comuns recebiam salários com muitos dígitos e pouquíssimo valor. Tão logo eram abonados, pegavam o suado dinheirinho e corriam às compras de itens de primeira necessidade para não serem ainda mais espoliados pelos constantes reajustes de preços. Não por acaso, o fim da inflação galopante — expressão muito comum nos anos 1980 — provocou uma revolução sem precedentes na história econômica brasileira.

O cidadão comum deixou de fazer estoques mensais de mantimentos e passou a ir semanalmente ao supermercado, levando para casa muito mais que o básico. Tomou gosto pela variedade e até se premia de vez em quando com iguarias sofisticadas. A acomodação das terríveis pistolas de remarcar produtos mexeu até com a cultura popular e com a política partidária, fazendo da estabilidade uma conquista reverenciada, menos após a eleição de governantes nem tão austeros.

Mais lúcido que muito economista ao avaliar a configuração do varejo, o empresário mineiro Domigos Costa, presidente da Vilma Alimentos, morto recentemente num desastre aéreo, dizia: "O Brasil é o único lugar do mundo onde macarrão concorre com celular". Para ele, a combinação de juros altos, baixo nível de poupança e desejo irrefreável por consumir tornava o consumidor vítima de seus próprios equívocos ao fazer do supérfluo algo essencial. Após décadas de carestia, outro termo desgastado, somos presas fáceis da ganância dos bancos e ignoramos o planejamento financeiro.

A partir dessa visão de Costa, fica mais fácil entender por que as baforadas (ou soluços, como preferem os especialistas) do persistente dragão inflacionário merecem mais atenção do governo e resistência da população. "Se a presidente Dilma Rousseff não prestar atenção no quilo do feijão a R$ 6, vai ver sua popularidade cair e perder a reeleição", alerta um ex-diretor do Banco Central.

A repórter do Correio Ana Carolina Dinardo ouviu na semana passada a aflição das donas de casa com as tabelas salgadas. Ao contrário do que alguns tentam mostrar, o problema vai além das loucuras do clima sobre o agronegócio e, por isso, deve ser combatido com rigor. Temos uma das maiores inflações do mundo e uma agenda de competitividade que só agora começa a andar.


Fonte: Correio Braziliense de hoje

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