Next stop: Norge


Na Noruega, até ministro lava louças

Sílvio Ribas, Correio Braziliense (10/10/11)
Enviado especial
Oslo (Noruega)
Existe um lugar em que autoridades são servidores do público e onde qualidade de vida e realização profissional andam juntas. Sem burocratas ou serviçais, o pequeno Reino da Noruega, com 5 milhões de habitantes, é um dos poucos países europeus em que o Estado do bem-estar funciona plenamente e não está ameaçado pela crise fiscal. O país lidera o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU), e com população 40 vezes menor que a brasileira, tem ainda o segundo maior PIB per capita, US$ 60 mil, cinco vezes o do Brasil.

Muito desse sucesso se deve à partilha de lucros com o petróleo do mar e ao dinamismo econômico, mas a maior contribuição vem do costume de privilegiar o interesse coletivo. A “sociedade horizontal” norueguesa deixe o brasileiro com inveja. As diferenças vão muito além da jornada de trabalho menor (37,5 horas semanais), do salário mínimo de US$ 3,8 mil e dos variados e generosos benefícios sociais, como um ano de licença maternidade. Praticamente inexiste no país nórdico o intermediário nas relações trabalhistas. Com uma população de elevada escolaridade e tolerância, predominam atividades fim, eliminando a presença de domésticos, motoristas, ascensoristas, porteiros, recepcionistas, copeiras, office-boys, entre outras categorias “de apoio”. Tarefas reservadas a esses são desempenhadas por todos, incluindo donos dos cargos mais elevados nas áreas pública e privada.

Essa realidade faz um gesto natural parecer rompante de humildade. É inimaginável ver aqui a disposição de Aksel Eikemo, diretor geral da agência reguladora da Pesca, em recolher o brunch oferecido a jornalistas. “Ao contrário do que se vê nos gabinetes e corredores de Brasília, não há carregadores de pasta ou de celular na Noruega”, ilustra Paulo Guimarães, conselheiro da Embaixada do Brasil em Oslo. “Em encontros, executivos responsáveis metade do PIB nacional fazem fila com prato na mão, para servir o lanche do meio-dia”, conta.

Essa é a razão de diretores receberem clientes na porta e ainda oferecerem a eles fondue com espumante na tarde descontraída de sexta-feira, explica Jorge Moniz, consultor empresarial em Hareid. “Temos orgulho de nossa organização social”, sublinha o profissional de pais portugueses. Executivos e políticos participam de redes sociais e dão cartões de visita com celular sempre disponível. Alguns exibem até sua foto nos cartões de visita.

Essa ausência de castas se repete na máquina federal, com ministros dividindo elevador com funcionários e visitantes, saindo do expediente de bicicleta e dando aula à noite em universidades. A distância entre eleitos e eleitores é mínima e até a família real pode ser vista em público. Isso tudo sem prejuízo da privacidade, graças à equilibrada ocupação territorial. Segundo estatísticas oficiais, só 22% dos noruegueses vivem em prédios, a maioria de três andares. O resto são casas.

No paraíso trabalhista fora da Eurozona, saúde e educação são universais e fator da prosperidade. Nas universidades públicas, os noruegueses precisam pagar só a pequena taxa semestral de registro. Ano passado, 1,12 milhão deles, 28% da população adulta, tinha nível superior. Outra curiosidade: a maioria dos adultos fala inglês fluentemente.

Quando têm de ir ao médico, pagam um valor simbólico pela consulta. Mas não gastam nada em internações, exames e qualquer outro procedimento de hospital. Grávidas estão livres de arcar com consultas, incluindo as do pediatra após o nascimento da criança. Homens e mulheres podem se aposentar com 62 anos, considerando o tempo mínimo de trabalho. Mas a maioria se aposenta aos 67.

O modelo escandinavo de serviços públicos eficientes mediante pesada carga tributária (até 50% do PIB) gerou mudanças ainda mais profundas na cultura do trabalho. Além do modo estilizado de vestir (lá é difícil achar uma gravata e todo dia é casual day) e cortar o cabelo, executivos e operários almoçam juntos na empresa, recolhem e lavam seus pratos, dirigem o próprio carro ou pedalam na volta para casa após uma jornada que acaba por volta das 16h. Sem o trânsito congestionado das metrópoles do Brasil, conseguem ainda aproveitar o dia com lazer, estudo, família e amigos.

Esse quadro é resultado de mais objetividade nas horas trabalhadas, incluindo um almoço breve e prático, sem risco de invadir o tempo livre. Stein Christian Mohn, vice-presidente da Mohn Drilling, empresa criadora de robôs subaquáticos, leva a sério tal filosofia, como integrante da geração que aproveitou o incentivo estatal para estudar muito e prosperar no empreendedorismo. “Transformamos ideias e ideais em negócios”, resume o executivo de 38 anos, esportista e com visual de cantor pop.

Focada em sensores eletrônicos usados na exploração de petróleo no fundo do mar, a Pro-Analysis, também de Bergen, mais parece uma agência de publicidade. Seus técnicos dispensam o macacão e preferem sandálias. Até uma placa brinca com os estressados, os convidando a relaxar dando cabeçadas. Os espaços de trabalho na Noruega, de lanchonetes a laboratórios, lembram home offices, decorados com tapetes, quadros e objetos pessoais, além de deixar à vista grandes cestos de frutas frescas, retrato da obsessão nacional pela vida saudável.

O interior de um navio fabricado pela Ulstein mais parece um imóvel residencial de luxo, com pisos de madeira e salas para recreação. O capitão, aliás, parece o mais descolado da tripulação, trajando camiseta e chinelos. Outro ambiente confortável é o do estaleiro Kleven Maritime, também em Ulsteinvik. Seu presidente Stale Rsamussen almoça com a equipe numa mistura de cozinha americana com sala de estar. As salas são a cara de seus funcionários.

Quando esse jeito de trabalhar chega ao Brasil, o choque cultural é inevitável. “Nas primeiras semanas no Rio, uma funcionária do escritório tentou impedir que eu limpasse a mesa”, conta Johnny Haberg, vice-cônsul e representante no país do Conselho Norueguês da Pesca. “Para mim é engraçado ouvir de brasileiros que suas pequenas empresas têm só 900 empregados quando uma grande empresa norueguesa tem 90. Esse é o maior contraste”, ilustra Reidun Beate Olsen, diretora do escritório no Rio da Innovation Norway, agência de promoção industrial e turística da Noruega. Em média, a diferença entre o menor e maior salário numa mesma empresa é de apenas quatro vezes. Um construtor qualificado, por exemplo, ganha só 10% mais que um inexperiente.


O repórter viajou a convite do governo norueguês

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