Comida põe o mundo em xeque


Por Sílvio Ribas e Jorge Freitas
Correio Braziliense - 01/02/2011

Organismos internacionais alertam para eventual crise alimentar e cobram investimentos em produtividade agropecuária

A atual disparada das cotações dos alimentos — acima das médias históricas dos últimos anos — não está pressionando apenas os índices de inflação mundo afora. Os órgãos multilaterais de financiamento e governos também estão atentos a riscos de tensões sociais nos países mais pobres, puxados pelas altas frequentes dos preços de açúcar, grãos e soja. Essa preocupação já levou líderes mundiais a cobrarem medidas regulatórias para contrabalançar ataques especulativos e economistas a traçarem cenários de explosão de preços nas próximas décadas.Ontem, foi a vez do Grupo de Cooperação em Avaliação (ECG, na sigla em inglês), que reúne técnicos de 19 bancos de desenvolvimento, divulgar relatório sobre o impacto dos programas de suas instituições voltados ao agronegócio.

O alvo principal do esforço são países africanos onde predomina o cultivo de subsistência. E os efeitos positivos esperados se estenderiam ao combate à fome, além da estabilização dos mercados. O ECG aponta desaceleração da produtividade agrícola nas duas últimas décadas em razão do recuo de doações de organismos e de investimentos de emergentes. A assistência bilateral e multilateral despencou 40% no começo dos anos 2000 em relação aos 1980.

O grupo recomenda mais investimentos em pesquisa e extensão, uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos e da irrigação, fomento ao crédito e a busca por soluções de conflitos agrários. Na área de infraestrutura, o texto pede mais acesso e qualidade nas rodovias. Por fim, recomenda às instituições internacionais que se empenhem em aperfeiçoar os mercados e as cadeias de suprimento, incluindo o apoio do setor privado.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu modelo de agricultura tropical que pode ser aplicado na África. A presença de técnicos brasileiros em solo africano já é uma realidade, buscando produtividade, a exemplo do programa Pró-Savana, em Moçambique. Segundo o presidente da estatal, Pedro Antônio Arraes, o desafio é acompanhar a evolução da oferta de alimentos, sem prejuízo do meio ambiente. “O Brasil poderá produzir 250 milhões de toneladas anuais de grãos até 2030, com a vantagem de ter fonte garantida de água”, resumiu.

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que os altos preços refletem o desequilíbrio conjuntural entre demanda crescente nos países emergentes e avanço menor da oferta global devido a eventos climáticos. “Esse mesmo ciclo também é empurrado pela especulação nos mercados futuros”, acrescentou. Apesar disso, o ex-ministro não acredita em mais fome no mundo, mesmo porque as próprias cotações levam a mais plantio. “É o sobe e desce da oferta e procura”, resumiu.

Rodrigues lembrou que cerca de 85% do crescimento populacional até 2050 virá das regiões que concentram a maioria dos pobres: África, Ásia e América Latina. Nesses lugares, a renda per capita cresce mais. “Tudo isso fortalece as expectativas de que o Brasil ampliará presença nos mercados”, reforçou, lembrando que a ascensão social afeta primeiramente o comércio de alimentos. O único receio de Roberto Rodrigues está na expectativa que o mundo deposita na resposta do país ao aumento do consumo global. Estudos recentes do Reino Unido e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a produção agrícola brasileira precisa crescer o dobro da demanda, ou seja, 80% em 20 anos.

Para a superintendente técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rosemeire Cristina dos Santos, a produção de alimentos no Brasil avançará via tecnologia e incorporação de áreas deixadas pela pecuária.

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