O banheiro VIP da sucursal


 Sílvio Ribas

primeira vez que vi Valério Fabris — mestre dos textos, sobretudo os perfis — ele acabara de pousar em Belo Horizonte com sua mais nova missão na Gazeta Mercantil. Vinha de Curitiba para assumir a direção da sucursal mineira em meados de 1994, meses após eu ter me juntado à talentosa equipe de reportagem chefiada por Teodomiro Braga, com André Lacerda.

Valério começou logo a colocar em prática o raro talento de transformar ambientes para a conquista de pessoas e negócios. O primeiro desafio que se impôs estava na sede da GZMBH, uma bela casa de dois pisos, outrora residência e clínica médica, instalada na Rua Sergipe, na charmosa Savassi. Enxergou ali a “embaixada” da mineiridade jornalística.

Tratou de espalhar artesanato do Vale do Jequitinhonha pelos cantos, jogou tapetes arraiolos no chão, pôs esculturas em pedra-sabão nas mesas e pendurou quadros com imagens coloniais nas paredes. Até suplementos que produzíamos tinham capas dignas de museu. Houve uma, inclusive, que exibiu pintura feita exclusivamente pelo renomado Carlos Bracher. Show.

Mas o maior desafio de Valério não foi cultural, e sim hidráulico, bem na sua sala, antes uma grande suíte com majestosa banheira plantada bem no centro do banheiro. Preocupado com a reação de visitantes, chamou uma arquiteta para “reinterpretar” o espaço. O projeto ficou chique, com tampo de vidro leitoso sob medida sobre a banheira, coberto de vasos de plantas.

Capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, terra de Roberto Carlos, Valério era o senhor da prosa. Espirituoso, brincou que faria coquetel de inauguração do charmoso WC, batizando-o de Walter Clemente, um diretor da Gazeta. O homenageado seria convidado a dar a “descarga inaugural”. “Vou sugerir ao ilustres que vierem à sala a usar o WC VIP”, repetia, com a típica gargalhada.

Quando montou nosso mobiliário de trabalho, pediu ao montador que colocasse uma extensão lateral na mesa, para que tivéssemos onde escrever à mão. Eu a chamava de “tábua de passar roupa”. Passávamos muitas horas na sucursal, do amanhecer à madrugada, se fosse preciso, para fechar cadernos. Quase toda semana estávamos na estrada cobrindo toda Minas.

Valério defendia a tese antropológica de que três estados irmãos formavam “a Santíssima Trindade do Brasil”: Goiás seria o pai, Minas o Filho e o Espírito Santo, o próprio. Fazia piadas sobre farofeiros mineiros nas praias capixabas e jurava que Santa Catarina ergueu no Vale do Itajaí uma estátua para o “mineiro desconhecido que introduziu a toalha de banho nas praias”.

Com talento para unir mundos, ele sempre costurou encontros improváveis entre expoentes da cultura com empresariado top. Foi promotora do restaurante Dona Lucinha e até patrocinou um corredor de Fórmula 3, Bruno Siqueira, que tinha o logo da Gazeta no carro. Fernando Brant, letrista do Clube da Esquina, cedeu à GZMBH o “Sou do mundo, sou minas Gerais”.

Em Florianópolis, orientou o dono do Box 32 — então modesto boteco de pescador no Mercado Municipal — a transformar o lugar em imperdível atração internacional. Virou ponto obrigatório para ex-presidentes, estrelas globais e acadêmicos que palestraram pela ilha. Tudo está registrado num painel de fotos e reportagens sobre maiores sucessos no mundo do turismo.

O banheiro VIP e a sucursal que o abrigava não sobreviveram ao colapso da Gazeta em 2001, sacramentado uma década depois. Mas Valério e o seu corolário de boas histórias permanecem. Inventivo, agregador, meio empresário, meio jornalista e inteiramente capaz, se quisesse, de transformar uma banheira incômoda num evento social.

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