O terrível encontro de laborfobia e automação
O avanço da tecnologia costumava ser celebrado como aliado da produtividade e do bem-estar. A cada revolução industrial, a expectativa era de que as máquinas liberassem o ser humano das tarefas mais penosas, abrindo espaço para mais criatividade e significado.
Mas o que observo hoje é uma
perspectiva distinta – e perturbadora: o encontro entre duas forças poderosas e terrivelmente complementares – a avalanche de automação guindada pela inteligência artificial e a crescente aversão ao trabalho (laborfobia), sobretudo entre as novas gerações.
O desprezo pela ideia tradicional de trabalho me assusta. Vejo emprego com carteira assinada (CLT) virando sinônimo de mediocridade profissional e exploração até mesmo entre crianças. Sem pudor, trabalhadores, sobretudo do serviço público, queixam-se da rotina presencial, alegando sofrimento psíquico.
Cada vez mais jovens mostram desinteresse por jornadas regulares, empregos fixos e estruturas hierárquicas. Muitos preferem viver de projetos pessoais, buscar maior equilíbrio entre vida e trabalho ou simplesmente evitar vínculos que consideram opressivos. Ao se tornar regra e não exceção, o fenômeno vira problema estrutural.
Sistemas de IA já são capazes de elaborar textos publicitários, revisar contratos jurídicos, gerar imagens para campanhas e até criar músicas e roteiros. Robôs humanoides já atuam no atendimento ao público e em tarefas logísticas. A promessa da computação quântica pode acelerar exponencialmente esse processo, tornando obsoletas funções que ainda resistem.
Esse cenário não é só econômico ou tecnológico – é filosófico e existencial. O trabalho, apesar de seus vícios e excessos, foi historicamente fonte de identidade, pertencimento e sentido. Em um mundo em que poucos precisam trabalhar, o que dará sentido à vida das pessoas?
Em um mundo em que muitos querem evitar o trabalho, quem criará e sustentará os serviços e estruturas essenciais à sociedade? Tais reflexões me vieram à mente ao ouvir, dias atrás, uma conversa entre três jovens funcionários de supermercado.
Eles comentavam, com animação, que a eventual demissão lhes permitiria acessar benefícios sociais, descansar e depois, quem sabe, encontrar outro emprego. A lógica parecia ser: quanto menos trabalho, melhor – mesmo que precário e transitório.
Em outra ocasião, ouvi dois universitários afirmarem que optariam por cursos técnicos, pois não acreditam que a formação superior vá lhes garantir trabalho – e ainda criticavam o ensino oferecido, dominado por aulas virtuais e consumo de drogas nos campi.
É preciso resgatar o valor simbólico do trabalho. Isso não significa glorificar a exploração, mas recuperar a noção de que o fazer, o criar, o produzir são dimensões essenciais da realização humana. Um mundo que delega tudo às máquinas pode ser eficiente, mas também vazio. O equilíbrio entre tecnologia e humanidade exige que não abramos mão de nosso papel de protagonistas.
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