O azul daqueles olhos
Sílvio Ribas
Oswaldo jamais esqueceu aquele encontro. No início de noite na fazenda, pouco depois de levantar-se da velha poltrona para matar a pequena aranha que adentrava a sala pelo chão de tábuas compridas, o brilho de duas fileiras com quatro pares de olhos dela mudou o destino de ambos.
O que era aversão transformou-se em fascínio. O azul-cobalto que cintilava nas minúsculas esferas o fez parar e se agachar, como que capturado por um feitiço. A mente de Oswaldo retornou à Terra, após breves segundos em que flutuou no extraordinário sob os sons noturnos do sertão.
Lembrou-se de Riobaldo e suas interrogações sobre os mistérios do olhar de Diadorim. O que havia naquele aracnídeo que o deixava tão hipnotizado? Como o canto longínquo de uma sereia ou o olhar fulminante de Medusa, aquele avistamento breve legou-lhe uma recordação eterna.
A aranha recuou lentamente, deslizando-se de volta à varanda, até sumir na escuridão. A partir de então, Oswaldo sentiu o veneno de uma nostalgia diferente se espalhar: não havia dor, rancor ou medo, mas a vontade recorrente de reviver o instante mágico da aranha e seu azul impossível.
Sem conseguir descrever ou reproduzir aquela cor e sem reencontrar ela em outra obra humana ou elemento natural, o fazendeiro começou a contar a história para amigos e estranhos que apareciam. A esperança era de que alguém pudesse dar-lhe pistas de onde resgatar tamanha raridade.
Conheci-o por meio de um parente, vizinho da sua propriedade. Enquanto bebíamos um café ralo na varanda, ele me relatou, com emoção, como os olhos do aracnídeo se assemelhavam a minérios raros, brilhando num tom vivo e escuro. Até hoje, Oswaldo aguarda a volta do minúsculo milagre.
Contou-me ainda que nos sonhos, às vezes, é presenteado por lampejos azuis. Mas lamenta não ter fotografado os olhos para exibi-los na mesma sala onde cruzaram olhares. De nada adianta examinar por dentro botas antes de calçá-las ou espiar cantos empoeirados atrás ou debaixo dos móveis: nada voltou.
Mas Oswaldo vai toda noite à varanda na confiança de que a criatura de muitas pernas faça uma segunda aparição. No fundo, o velho vive preso numa teia entre o real e o sonhado, receoso de que certas belezas só se revelam uma vez na vida — e para sempre. A natureza continua misteriosa.
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