1987: O som das manhãs de sábado


Sílvio Ribas
 

No fim de 1987, após concluir as últimas provas do ensino médio no colégio, deixei minha cidade natal, Curvelo (MG), rumo a Belo Horizonte para prestar vestibulares para Jornalismo na UFMG e na PUC-MG. Além de minhas próprias apostilas, acompanhava aulas avulsas do cursinho pré-vestibular Pitágoras. Era um tempo especial, de encarar o crivo para uma nova etapa. 

Fui morar em uma velha e simples república de estuantes, conhecida como Pensão da Tia Nem, localizada no centro da cidade, na Rua São Paulo, que
abrigava dezenas de rapazes vindos do interior, na época concentrada nos vindos de Curvelo, Almenara e Ponte Nova.

Os sábados naquela pensão tinham uma rotina peculiar. Eram dias dedicados à faxina, e ninguém podia ficar deitado por muito tempo. Mas, depois de arrumar as camas beliche e trocar de roupa, havia um momento de pausa em que podíamos nos deitar novamente, ouvindo o radinho de pilha a tocar os sucessos da época, quase sempre sintonizado na BH FM.

Essas manhãs tinham um ritmo preguiçoso, embaladas pelas canções maravilhosas dos anos 1980. Mas havia três delas que pareciam onipresentes, de tanto que repetiam naqueles dias de dezembro. Acabaram gravadas para sempre na minha memória.

A primeira era "Is This Love", da banda Whitesnake, lançada em 1987 no álbum homônimo (Whitesnake, também conhecido como 1987). A balada carregava a frase “This is the love that I’ve been searching for”. 

A segunda, "Slave to Love", de Bryan Ferry, era um clássico sofisticado lançado em 1985 no álbum Boys and Girls. A suavidade e o charme da música a tornavam perfeita para as manhãs de nostalgia e expectativa.

Por fim, havia "Coração de Papelão", interpretada por Simony e Jairzinho, também daquele 1987. Essa canção, cheia de ternura e simplicidade, refletia os sentimentos de uma geração e embalava os que cresciam ao som da dupla que marcou a infância de tantos brasileiros.

Essas músicas não eram apenas trilhas sonoras de um período; eram companheiras em um momento de transição e ansiedade, aprendizado e descobertas. 

Suas melodias e letras moldaram minhas memórias, de maneira semelhante ao que Paul McCartney descreveu em sua autobiografia Many Years From Now e no documentário The Beatles Anthology. 

Assim como ele recordava as manhãs de sábado em Liverpool, nos anos 1950, deitado e ouvindo os sucessos na BBC, eu guardo com carinho essas manhãs de Belô, onde, entre barulhos de enceradeira e aspiradores, as músicas preenchiam o ambiente com promessas de um futuro por construir. O sonho virou realidade: Passei na PUC e tornei-me jornalista.


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