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Mostrando postagens de dezembro, 2024

O azul daqueles olhos

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Sílvio Ribas Oswaldo jamais esqueceu aquele encontro. No início de noite na fazenda, pouco depois de levantar-se da velha poltrona para matar a pequena aranha que adentrava a sala pelo chão de tábuas compridas, o brilho de duas fileiras com quatro pares de olhos dela mudou o destino de ambos. O que era aversão transformou-se em fascínio. O azul-cobalto que cintilava nas minúsculas esferas o fez parar e se agachar, como que capturado por um feitiço. A mente de Oswaldo retornou à Terra, após breves segundos em que flutuou no extraordinário sob os sons noturnos do sertão.  Lembrou-se de Riobaldo e suas interrogações sobre os mistérios do olhar de Diadorim. O que havia naquele aracnídeo que o deixava tão hipnotizado? Como o canto longínquo de uma sereia ou o olhar fulminante de Medusa, aquele avistamento breve legou-lhe uma recordação eterna. A aranha recuou lentamente, deslizando-se de volta à varanda, até sumir na escuridão. A partir de então, Oswaldo sentiu o veneno de uma nostalgia...

1987: O som das manhãs de sábado

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Sílvio Ribas   No fim de 1987, após concluir as últimas provas do ensino médio no colégio, deixei minha cidade natal, Curvelo (MG), rumo a Belo Horizonte para prestar vestibulares para Jornalismo na UFMG e na PUC-MG. Além de minhas próprias apostilas, acompanhava aulas avulsas do cursinho pré-vestibular Pitágoras. Era um tempo especial, de encarar o crivo para uma nova etapa.  Fui morar em uma velha e simples república de estuantes, conhecida como Pensão da Tia Nem, localizada no centro da cidade, na Rua São Paulo, que abrigava dezenas de rapazes vindos do interior, na época concentrada nos vindos de Curvelo, Almenara e Ponte Nova. Os sábados naquela pensão tinham uma rotina peculiar. Eram dias dedicados à faxina, e ninguém podia ficar deitado por muito tempo. Mas, depois de arrumar as camas beliche e trocar de roupa, havia um momento de pausa em que podíamos nos deitar novamente, ouvindo o radinho de pilha a tocar os sucessos da época, quase sempre sintonizado na BH FM. Essa...

Rimas e sinas do Curvelo

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  Sílvio Ribas "Prazer em revê-lo em Curvelo." A frase, dita com leveza pelo amigo Léo Cunha quando o recepcionei na minha terra natal, em um longínquo dia de 1991, carregava tanto uma missão quanto um prazer da rima. O escritor guardou-a zelosamente por anos, à espera do encontro de lugar e ocasião certos para resgatá-la. Naquela cidade quente e poeirenta do sertão mineiro, que me viu nascer e amadurecer, suas palavras transformaram-se, naquele instante, não apenas em destino, mas também numa suave melodia para os meus orgulhosos ouvidos. Ao longo dessas décadas, passei a testar novas rimas e sinas a partir do peculiar nome do meu município: desvelo, cotovelo, novelo, demovê-lo... Era como se cada vernáculo usado revelasse algo mágico emergido na confusão do cotidiano. Até marcas de produtos ou estabelecimentos comerciais evocavam elos com o "vêlo". Forçando um pouquinho, até a aguardente José Cuervo, o magazine Riachuelo e a sapataria Corello, criavam para mim fal...