Os sonetos de minha vó




Os sonetos preferidos da minha avó materna, Sylvia, estavam em um volumoso e antigo livro de antologias poéticas, revestido de um tecido bege engomado e adornado com letras em relevo. Desde a minha infância, eu manipulava aquelas páginas costuradas com afeto, reconhecendo nelas a sua beleza, imponência, valor literário e, sobretudo, a sua ligação com a bela mãe de minha mãe, uma mulher singular para a sua época.

Sylvia, mineira da pequena Curvelo, que deixou este mundo no começo de 1939, aos 33 anos, ainda quando a sua única filha era bebê de quatro meses, nutria grande paixão pela leitura e pela escrita de poemas, destacando-se a sua estima por esse compêndio, que acabei herdando. Os vestígios da sua presença e de sua interação com aquela obra se revelavam nas páginas marcadas por pétalas de flores prensadas e fragmentos de folhas pautadas tiradas de cadernos.

Trata-se do "Sonetos Brasileiros – Século XVIII-XX", organizado por Laudelino Freire e publicado em 1904 e 1913 pela editora francesa F. Briguiet & Cie. Encadernado com detalhes dourados nas laterais, o volume em formato grande exibia, logo na primeira das 515 páginas, o retrato do compilador, enquanto internamente apresentava os perfis dos muitos autores incluídos, cada um também com o rosto desenhado em bico de pena e uma nota biográfica.

Dentre os sonetos previamente publicados entre 1623 e 1894 estava "O Morcego", de Augusto dos Anjos, além de outros representantes do vigoroso movimento parnasiano e do romantismo. Outro achado é Castro Alves, representado pelo seu poema "Dulce". Os muitos textos em tom gótico e melancólico me fazem pensar hoje que seriam apreciados pelo cineasta Tim Burton.

Esse exemplar representa um legado significativo para a poesia brasileira, abarcando desde o século XVII até o XIX, e é reconhecido como um marco na história literária do Brasil. Além de documentar a diversidade de estilos e autores, desde o arcadismo até o modernismo, é um testemunho essencial da produção poética brasileira por três séculos.

Minha vó, por sua vez, era mulher de hábitos estranhos, sobretudo para sua época. Ela jamais cortou os longos cabelos escuros, bonitos e contidos em delicadas tranças. Insone, fazia as suas próprias velas para demoradas leituras noturnas. Diziam que tinha uma sensibilidade paranormal. Filha trabalhadora de família grande e acolhedora formada por muitas mulheres, ela soube deixar a sua marca até na sua descendência.

Comentários