Office boy no Paraíso

Toda vez que tive a chance de aconselhar a garotada sobre qual rumo tomar na profissão, provocava eles parodiando antológica frase do poema Paraíso Perdido, do inglês John Milton (1608-1674). “Seu futuro vai depender de como responde à pergunta: quer ser CEO no inferno ou office boy no céu?”.

Minha intenção era antecipar aos incautos a inquirição acerca do principal dilema na carreira: ou se começa humildemente por baixo em um lugar emblemático e rico em oportunidades ou se cede à tentação de subir rápido para o topo encarando menos desafios, mas cercado pela desolação geral. 

A sede de poder do anjo caído Lúcifer, o personagem central da epopeia de Milton, é a mesma que leva gente talentosa e promissora a se desvirtuar no apelo dos atalhos. Ter fabuloso potencial não é, pois, sinônimo de sucesso merecido, valendo mais a vontade de escalar os picos mais altos e distantes.

Se a classe operária pode voar até o Paraíso nas asas do mérito, há também deuses do Olimpo que querem descer ao vale para experimentar a vida dos mortais. Isso ocorre porque a busca por sentido no ofício escolhido não leva necessariamente a bons rendimentos, até por suscitar valores intangíveis.

Quem liderou organizações top pode visar desafios antes de aposentar. A vida pessoal equilibrada pode dar mais disposição para seguir ousando. No fim das contas é tudo questão de colocar na balança os prós e os contras e saber quanto tempo ainda resta para começar, recomeçar e acabar de vez.

O Éden corporativo quase sempre pede sacrifícios e renúncias para os que nele cobiçam morar. Por esta razão é que ser expulso de lá pode significar algo trágico ao degradado, mas também pode lhe ser instrutivo. O inferno da permissividade é glória de poucos e danação de dúvida eterna de muitos.

Vale a pena estudar na metrópole para depois regressar à cidadezinha natal com anel de doutor sem jamais saber o quão destacado seria na profissão por falta de clientela mais exigente ou concorrentes à altura? Todos sabem qual vida se quer ter e qual tamanho das experiências aspira ter. Não?


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