O furo da bolha digital

O comércio eletrônico está presente na vida de bilhões de pessoas. Mas lá nos estertores do século 20, a novidade do tal e-commerce ainda excitava a curiosidade do público, alavancava vertiginosa oscilação de mercados e coabitava com relutantes céticos. Nós, jornalistas, abordávamos essa pauta também apresentando: líderes empresariais estreantes, marcas inovadoras e promissores modelos de consumo. Tudo junto e misturado na esfuziante progressão da Bolha da Internet. Estávamos cobrindo futuros no presente.

Para integrar o grupo de repórteres brasileiros desbravadores da Nova Economia, fui convidado pelo diretor Mario Alberto de Almeida em 1999 a migrar da sucursal da Gazeta Mercantil em Florianópolis para a redação principal em São Paulo. A minha missão era liderar a cobertura desse setor em construção e que prometia “mudar tudo”. O desafio começava com as estranhas siglas para definir as vendas online de produtos e serviços (B2C), os intercâmbios empresais (B2B) e as transações entre consumidores (C2C).

Formei equipe com as elétricas Raquel Cardoso e Carla Dazzi e firmei parcerias de luxo, como as com os editores Daniel Bruin (Marketing e Propaganda) e João Rosa (Tecnologia). Juntos, montamos no Caderno Empresas, sob a batuta da maestrina Cida Damasco, a primeira editoria de jornal do país focada nos atacados e varejos virtuais. Até 2001, publicamos centenas de notas, reportagens e perfis; fizemos fontes de áreas diversas, visitamos locais até no exterior e demos muitos furos antes de a bolha furar.

O mais saudoso efeito colateral daquela corrida do ouro para o ciberespaço foi a valorização sem precedentes do profissional de imprensa. Ao longo daqueles dias movidos a altas recordes de ações de companhias pontocom, víamos nossos salários subirem muito além da inflação controlada, graças a constantes convites para mudarmos de time, vindos sobretudo de portais de notícias. O consenso da época, infelizmente perdido depois, era de que a riqueza da web estava no conteúdo e que este vinha de gente como nós.

A onda de otimismo e espírito aventureiro arrastou até colegas para a linha de frente, como Antônio Machado de Barros (BOL), Caio Túlio Costa (UOL), Matinas Suzuki Júnior (iG) e Mikhail Lopes (Poder). Em ambos os lados do balcão lidávamos cotidianamente com lendas como Aleksandar Mandic, Marcelo Ballona, Stelleo Tolda, Toninho Rosa, entre outros. Nossa maior dificuldade era explicar o admirável mundo novo ao leitor sem perder o senso crítico, distinguindo iniciativas firmes das que só surfavam na euforia.

Bastava registrar domínio, rascunhar plano audacioso e abrir o capital para ser alvo de apostas radicais. Como era possível tantos aportes bilionários em firmas com prejuízos monstruosos nos balanços? Para tentar responder essa e outras perguntas – e antever passos adiante –, fui envidado, em medos de 1999, como correspondente especial da Gazeta na conferência Internet & Society (iS2k), no campus da universidade de Harvard (EUA).

Com palestrantes de alto nível, como Andy Grove (Intel) e Jerry Greenberg (Sapient), além de dezenas de estrelas indianas, o evento internacional me possibilitou uma semana de conversas com professores, pesquisadores e consultores, inclusive do Brasil, como Marcelo Coutinho (FGV-SP) e Eduardo Moreira da Costa (iCubo). Constatei lá em Boston, maior cidade mineira além-mar e então a meca para os mais engajados em “digital business”, os reflexos da agitação de futuristas e candidatas a “big tech”, até nos preços de imóveis.

Em 10 de março de 2000, a bolha furou, após longo tempo de “exuberância irracional”, nas palavras do ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Alan Greenspan. Mas a história mostrou que a terra prometida estava um pouco mais adiante. Era tudo só questão de ajustar expectativas ao timing certo. A internet móvel, os aparelhos de tela sensível ao toque e a banda larga ultra veloz tornaram em realidade aquele sonho.

Na trilha até o eldorado virtual, perseguida por empresários e investidores, ocorreram casos saborosos. Exemplos? Mediada pelo Jetro, sua agência de promoção do comércio externo (Jetro), o governo do Japão me ofereceu entrevista exclusiva com a sua maior autoridade para assuntos cibernéticos. Após chegar cedo ao Banco Sumitomo, na Avenida Paulista, fui levado à sala onde dúzia de engravatados me esperava. Na prática, era eu o entrevistado. Queriam saber como o Brasil lidava com a rede mundial de computadores. A reunião acabou em “selfie” de todos em pé. Figurei ao centro da foto, como o único não oriental. Pena que ainda não existia Facebook.


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