Beco da saudade

Sílvio Ribas*


Incontáveis sonhos trafegaram por aquela nostálgica passagem entre a Rua Sete de Setembro e a Avenida Pedro II. Por seu traçado curto, estreito e levemente curvo se passaram décadas e milhares de vidas. Agora, as estórias que abrigou evocam saudades imensas. Por isso, o Beco do Zalém ou Beco do Xavante não é só ligação entre duas vias de muito tráfego da área central de Curvelo. Suas quatro esquinas conectam também várias reminiscências doces.

No vai-e-vem de transeuntes a pé, cavalo ou rodas, esse segmento de cento e poucos metros da Rua Coronel Canabrava virou microcosmo povoado por alunos das escolas Viriato e Santo Antônio, domésticas levando verduras para o almoço, sitiantes com saco na cacunda e toda sorte de personagens e serventias. Para mim, lá sempre será o Beco da Pensão Horta, embora do apelido do dono Matusalém, Zalém, se tirou sua conhecida denominação.

Poucas vezes cruzei apressado meu beco preferido, com coração disparado, para cumprir tarefa urgente ou evitar atraso grande. Ao longo da infância e adolescência andei calado e vagaroso por esse passadouro, perdido em pensamentos, só quebrados por gentis cumprimentos. Nos tais momentos de transversalidade lapidava ideias, suspirava paixões e remoía frustrações. Perigo não havia. Apenas ouvidos mudos atrás de muro e olhos das janelas.

Orgulhoso de minha cidade natal, desejo canção para eternizar o Beco do Zalém, igual à que o mítico Beco do Mota, de Diamantina, ganhou na voz de Milton Nascimento em 1968. Queria ver o logradouro curvelano famoso como o carioca Beco das Garrafas, travessa sem saída da Rua Duvivier, em Copacabana, palco de grandes astros da música nos anos 1950 e 1960, ou como o paulistano Beco do Batman, um museu de arte urbana a céu aberto.

Da terra para pedras e destas para asfalto, o breve corredor do meu torrão segue sereno até hoje pela confluência de quintais e laterais de comércio. No Face contam que o fazendeiro Arthur Costa Nascimento, marido de Pepina, comprou a pensão de Ataíde Horta e nos fundos ergueu casa virada pra Camig, rede de insumos rurais cujo galpão foi ainda sacolão e Tiro de Guerra. Ele deixava tudo lá aos cuidados dos gerentes Paixão e Perdigão.

Perdigão, que chegava a dormir na recepção, comprou metade da pensão e a vendeu para o Zalém, casado com Telma e pai de Matuzalém Saraiva de Moura, o Matinhos. Na ponta do acesso havia o lar e a sala de aulas particulares das professoras Joaninha, Mundinha e Lilia. Está também lá o bar e restaurante do filho do Zalém. Dizem que Nico Lopes, que morava na pensão, da janela presenteava crianças com balas da lendária fábrica.

Pelo trajeto do Beco do Zalém – o Beco da Pensão Horta e meu Beco da Saudade – também resplandecesse o casarão de José Gregório. Onde havia o Salão do Careca, o armazém Xavante na esquina, que vendia na caderneta e funcionava como rodoviária dos caminhões leiteiros, a frondosa goiabeira e o canto de galos flutuam poeiras do passado, lembranças sempre presentes e algumas poucas promessas de cantos futuros.

 

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