Falta Centro no Cardápio de 2022

Um comentário de Paulo Mathias, apresentador da Rádio Jovem Pan, feito há quase dois meses jogou uma luzinha sobre o cenário eleitoral tétrico que se desenha para 2022. “Eleição é cardápio”, resumiu ele, ao defender a tese de que é, sim, razoável apostar na competitividade do ainda desconhecido “terceiro prato” entre as opções para o Planalto, a serem oferecidas ao eleitor. Seria, pois, prematuro atestar como inevitável um indigesto quadro plebiscitário de Bolsonaro versus Lula, na mais radical das bipolarizações.

Evitar a consagração do pleito binário, com a dupla que lidera com folga as pesquisas, é prioridade de ao menos 10 partidos. Nas últimas semanas, houve duas desistências na disputa batizada pela colunista Vera Magalhães, de O Globo, de eliminatórias da terceira via. A saída dos eliminados Luciano Huck e João Amoedo (Novo) não fortaleceu, contudo, nenhum nome nessa chave do torneio nacional. Isso porque falta Centro raiz nos movimentos pró-concertação incitados pelo pré-candidato Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Sim, a polarização de direita, representada pelo PSDB na maioria das vezes, versus esquerda, sempre encabeçada pelo PT, dominou as disputas presidenciais desde 1989. Mas não se pode ignorar nuanças de cada certame. Collor foi o azarão emergido de prolífero menu de opções. FHC venceu duas vezes no primeiro turno, ungido pelo conforto cambial. Lula usufruiu de herança bendita e surfou na bonança das commodities, emplacando sucessora. Por fim, a revolta popular com o binômio recessão e corrupção engendrou o “outsider” Bolsonaro.

O espírito do tempo agora é outro, ainda de bipolaridade, mas em mutação movida por fatores como cansaço, desencanto e abertura à moderação. O resultado desse processo pode ser o colapso da própria intricada dicotomia entre um Lula reabilitado pela Justiça e um Bolsonaro que administra crises como se fosse sócio delas. Os dois polos buscam diferenciais competitivos na existência um do outro e investem no esvaziamento pragmático de alternativas. Mas o desejo pelo Centro ausente do cardápio deverá se impor.

O cientista político Renato Janine Ribeiro afirmou recentemente num canal online do sociólogo Sérgio Abranches que o eleitorado centrista não está contemplado com candidatos de centro. “A grande maioria deles se deixou engolfar pela direita nos anos do impeachment, do governo Temer e na eleição de 2018”, disse. Ele acha que Lula saiu na frente na busca do eleitor desamparado e sugere aos pré-candidatos não-alinhados que, se querem se sagrar como candidato de centro, “seria bom, primeiro, ir para o Centro”.

Abranches, por sua vez, observa na postagem comentada por Ribeiro que o Centro está difícil de definir hoje, por ter de se diferenciar e ocupar uma “mediana entre Bolsonaro, extrema-direita bem definida, o centrão e Lula”. Para ele, esse espaço está vazio, pois ainda não ocupado por nenhum líder expressivo. Essa é a razão de Lula estar se aproximando dele, tentado atrair antigos aliados nesse campo, como Gilberto Kassab, do PSD, “partido que tem adquirido musculatura política, enquanto DEM e PSDB perdem”.

Em artigo publicado no fim de março, FHC propôs não só a emergência na pandemia de nome competitivo da chamada terceira via, mas a construção do discurso centrista carregado de esperança e anseio por prosperidade. O melhor exemplo disso seria Juscelino Kubitschek. “É disso que precisamos: alguém que indique caminho de superação e permita voltarmos a acreditar em nós próprios”, escreveu. Esse candidato ideal, acrescentou, aliaria palavras e ação para “dar vida ao que se propõe” e reinventaria o futuro.

A representação política tem defeitos, mas sempre será facultado ao eleitor a chance de reparar erros das suas próprias escolhas na urna. O sistema democrático de tripartição de poderes, com seus freios e contrapesos, deveria, em tese, conseguir conter excessos e reparar danos, mas o embate entre instituições está devolvendo ao povo o papel saneador. Cabe a ele defender suas conquistas, não aceitar retrocessos e buscar avanços que inegavelmente só serão alcançados no campo político. Vamos ao Centro?

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