Jato da Mulher-Maravilha: nada a ver

Sílvio Ribas

É um pássaro? É um avião? É o Superman? Não. É a mais absurda máquina voadora das histórias em quadrinhos. O avião invisível da Mulher Maravilha, também chamado de jato invisível, sempre deu asas à imaginação de fãs e roteiristas da primeira e maior super-heroína, nascida nos gibis em dezembro de 1941 (All Star Comics 8).

O polêmico aparelho fez seu vôo inaugural rumo à posteridade (e às piadas e paródias) nas páginas do primeiro número da revista Sensation Comics, apenas um mês depois do surgimento da sua dona, a única a pilotá-lo. Ao longo de seis décadas, essa máquina maravilhosa ganhou diferentes formatos e inspirou ainda as mais narrativas explicações sobre sua origem. Em alguns períodos, o invisible plane (seu nome original, em inglês) chegou simplesmente a desaparecer por completo e não apenas aos olhos dos personagens da DC Comics. Conforme a versão atual, a princesa Diana criada por William Moulton Marston passou a dispor da capacidade de voar, a exemplo de outros colegas super-poderosos, dispensando então transporte aéreo. Marston, um dos pais do detector de mentiras, morreu em 1947, sem explicar o nonsense da parafernália.

O aeroplano também chamado de transparente era no início fruto da avançada tecnologia da Ilha Paraíso ou Themyscira. Parênteses: Alberto Santos Dumont teve um antecessor há milhares de anos? Da terra natal da Mulher Maravilha, universo paralelo inspirado na mitologia grega das guerreiras amazonas, ele foi usado pela bela fundadora da Sociedade da Justiça da América (depois Liga da Justiça) para devolver ao “mundo dos homens” o piloto da força aérea americana Steve Trevor, cujo avião havia caído no quadrante proibido dominado por deuses do Olimpo e por destemidas mulheres. Os outros pertences de mão que reforçavam o poder da heroína – o par de braceletes para ricochetear projéteis e raios, a tiara convertida em bumerangue e que amplia suas ondas mentais e o laço mágico (ou da verdade) para extrair confissões de seus atados – não sofreram mutações significativas e continuaram dourados e indestrutíveis até hoje.

POUSO FORÇADO

Desde que decolou dos gibis para o imaginário popular, a peculiar aeronave da filha da rainha Hypólita, tão visível quanto o vento, deixou no ar mais perguntas que respostas. Uma das dúvidas é como o piloto conseguia acompanhar as medições do painel e acionar os instrumentos de navegação sem poder vê-los? A principal resposta estava no controle remoto da telepatia da Mulher Maravilha. Outra, dizia que o interior da cabine era visível apenas para os seus ocupantes. Também se questionava muito do que adiantaria esse mais-pesado-que-o-ar ser oculto à visão humana se quem estivesse no seu interior ficassem expostos aos inimigos da superfície e dos céus, como que flutuassem à alta velocidade? Daí viria uma explicação ainda mais ousada, dada pelo desenhista Alex Ross: o observador externo não via nada que estive por dentro desse avião único. Isso também solucionaria a questão da visibilidade de outros objetos levados a bordo e, sobretudo, do combustível.

Além da impossibilidade de contato visual, os radares também tiveram de ser declarados incompetentes para rastreá-lo. Caso contrário, daria na mesma voar à noite com uma aeronave comum para não ser detectado. Contudo, ainda ficariam de fora as chamas e a fumaça dos escapamentos. Com a superexposição aos raios solares (piorados quando fora da órbita terrestre), os passageiros poderiam ser fritados. Desafios para a ciência themysciriana. Na maior parte do tempo, o avião ficou guardado num hangar improvisado em uma fazenda abandonada na periferia de Washington, onde Diana Prince vivia como embaixadora. Guiado por telepatia, o também chamado avião robô (por ter inteligência artificial) atirava uma escada de cordas (invisível) para que a MM embarcasse.

PRESENTE DE GREGO

Antes de qualquer outra especulação científica, do que era mesmo feito o equipamento? O que dava a ele o dom da invisibilidade? Velhas indagações alimentavam criativas justificativas ao longo dos anos. Dizia-se nas páginas das revistas que a transparência vinha de um metal existente só na Ilha Paraíso, o Amazonium ou Amazilikon. Também dizia-se que era um cristal super-resistente e maleável aos desejos da construtora do avião. Esse morphing crystal seria um presente de uma raça alienígena, os lansinarianos, para a Mulher Maravilha, em agradecimento por ter ela salvo suas vidas. Os extraterrestres desenvolveram a técnica porque tinham dificuldade em enxergar. O avião ignora a engenharia aeronáutica para se tornar anfíbio e pousar verticalmente. A deslumbrante heroína, que ganhou sua melhor forma nas mãos do desenhista brasileiro Mike Deodato Jr., também podia embarcar no seu jato enquanto voava, dando um salto espetacular.

De volta à mitologia grega, também foi narrada uma concepção sobrenatural do jato invisível, denominação que ganhou com a evolução tecnológica, a partir da segunda metade dos anos 50. Segundo ela, o avião é resultado da transformação do cavalo alado Pégaso, depois de cruzar uma nuvem mística. Ainda há a história das três provas que a princesa amazona deveria disputar para ganhar uma terça parte da aeronave em cada uma delas.  Tais explicações soam grego para a maioria das pessoas. Enquanto isso, publicações como a Mad e programas humorísticos da TV mostravam a amazona trombando na aeronave pousada em algum lugar ou dando motivo para a chacota adolescente de ver uma bela mulher voando apenas com algo transparente.

Basicamente, a presença nos quadrinhos da maravilhosa máquina voadora – que também pode chegar ao espaço, convertendo-se automaticamente em espaçonave – se dividiu entre antes e depois da Crise das Infinitas Terras, saga que recontou as biografias do panteão de heróis da DC. Apesar de ser descartado pelo roteirista George Pérez, o jato invisível reapareceria na segunda temporada do desenho animado da Liga da Justiça Sem Limites. No projeto de um longa-metragem com a MM, da Warner Bros., anunciado em 2005 e abandonado temporariamente este ano, o roteirista e diretor Joe Whedom previa a volta em grande estilo do avião invisível.

Um avião tão especial também nunca teria um acidente, certo? Errado. Consta uma queda na revista Super-Team Family 14, de 1973, quando a dupla Mulher Maravilha e Átomo foram resgatar a noiva dele, Jean Loring, do seqüestro do vilão Safira Estelar. O avião caiu próximo de Gorilla City, devido a uma súbita perda de visão da heroína. A verdade cristalina, tão defendida pela MM, é que a fantasia não pode deixar os quadrinhos por completo, por mais adulto e exigente que o público-leitor tenha se tornado hoje em dia. 

SUCESSO DA TV

As imagens mais lembradas do avião invisível vieram dos sucessos na televisão dos anos 70 e 80. Nos desenhos animados Super Amigos (1973-1986), o jato tinha a invisibilidade sugerida apenas pelo traçado em linhas brancas, mostrando a Mulher-Maravilha no seu interior. Entre os caronas de carteirinha, estavam Aquaman e os Super Gêmeos. No seriado televisivo (Wonder Womaaannnn!) estrelado pela Lynda (lindíssima!) Carter, ex-Miss Universo, entre 1975 e 1979, o jato apareceu apenas em dois episódios. A garotada se divertia em ver a atriz sentada na réplica carnavalesca de plástico e acrílico, vista de longe e lateralmente, com um plano com nuvens brancas ao fundo, simulando um vôo de cruzeiro. Ou ainda em ângulos próximos com o major Steve Trevor no assento de trás. Essas aparições na telinha forçavam a permanência do avião especial nos quadrinhos.

O VERDADEIRO

Na vida real, a ficção dos quadrinhos da Mulher Maravilha em quase nada serviu de inspiração para a mais cara arma de guerra do mundo. O B-2, um caça americano batizado de avião invisível, foi apresentado à imprensa no início de 2003 depois de passar anos como projeto secreto e de consumir em cada um dos pouco mais de 20 exemplares a bagatela de US$ 2,1 bilhões. Desenvolvido pela empresa Northrop Grumman, seu famoso apelido deve-se à capacidade de escapar dos rastreamentos inimigos em terra e no ar. Sua pintura e design especiais absorvem as ondas de radar e o tornam praticamente insondável. De seu hangar climatizado em Washington, decolou para missões de ataque bem-sucedidas como as de Kosovo e Afeganistão. O objetivo é sempre inaugurar guerras, invadindo o espaço aéreo dos outros, sobrevoando sempre alvos estratégicos e altamente protegidos e saindo rápido de cena. Sua artilharia é pesadíssima e a manutenção, caríssima. A Força Aérea dos Estados Unidos gasta horrores apenas para conservar a cobertura dessas aeronaves, ultra-sensíveis ao calor e à umidade.

INDICAÇÃO DE LEITURA

Wonder Woman: The Complete History (DK Publishing, 2005), de Les Daniels.


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