Algum setor ganhou com a Covid-19?


Sílvio Ribas

O mundo que está sendo moldado ao longo da cruel pandemia da Covid-19 sairá dela embicado para um cenário amalgamado de Black Mirror e Matrix, em meio ao resgate de promessas perdidas desde o estouro da Bolha da Internet. Mas os destroços deixados pela crise maior crise econômica desde 1929 formarão uma montanha de incertezas por ser removida até que se consiga enxergar o próximo horizonte.

Os poucos negócios globais que já conseguiram prosperar neste amargo período – comércio eletrônico, serviços de streaming e empresas de delivery – são beneficiários óbvios do isolamento social. Bilhões de pessoas estão usando mais a internet para comprar, o que amplia o faturamento das empresas enfronhadas nesse meio. Apesar disso, os custos de operações, inclusive de marcas online, pioraram.

O novo coronavírus colocou todos países de joelhos e o confinamento em massa abriu uma oportunidade única para quem ganha com clientela remota e entrega em domicílio. Mas dados da Amazon, a gigante americana do e-commerce, controlada pelo homem mais rico do mundo, Jeff Bezos, são contraditórios. Em abril, seus clientes gastaram US$ 11 mil por segundo, mas a perspectiva e de sofrer prejuízo financeiro pela primeira vez em cinco anos, quando sair seu balanço para o trimestre até junho.

Em igual trimestre de 2019, o ganho foi de US$ 2,5 bilhões, mas, desta vez, a Amazon precisou contratar 175 mil trabalhadores nessa fase e gastará US$ 4 bilhões para lidar com a disseminação do maldito vírus, incluindo equipamento de proteção individual para seus trabalhadores e serviços de desinfecção de seus colossais armazéns.

Quanto ao entretenimento, perguntei outro dia para gente da classe artística se a onda de lives na internet era só um escape ou a redescoberta de um filão. Mesmo os mais otimistas não ousaram a dizem que dá para sustentar um setor tão disperso e de inúmeros colaboradores com um produções domésticas. Os números recordes de audiência se devem à mesma anormalidade de um grande público dispersamente indoor.

A área de logística, também supostamente favorecida pela crise, vive momento desafiador e de ganhos incertos. As americanas Fedex e UPS, por exemplo, sofre embaraços com as restrições impostas pelo confinamento. Outro dia, uma carta minha endereçada a um escritório comercial nos Estados Unidos simplesmente bateu e voltou. Além disso, muitas empresas de portes diferentes tiveram de fechar e não mais atendem ninguém.

Restrições para academias de ginástica só ajudam a vender equipamentos de treinamento para quem faz exercício em casa. Mas o impacto ainda é limitado. Personal trainers até tentam usar canais digitais para substituir aulas convencionais, mas não impede uma falência generalizada. Acho que caixas de supermercado, restaurantes e outros pontos de aglomeração incorporarão em definitivo divisórias e demais microbarreiras sanitárias.

A quarentena acelerou, é verdade, a tendência crescente em favor dos serviços de streaming, agora mais populares do que nunca, até por falta de opções do consumidor enclausurado. Sinal de que esse era um caminho natural é que o público de cinema avançou 18% nos últimos dois anos, mas a Netflix viu as suas assinaturas crescerem 47% em igual período. Agora, a diferença é que a produção de conteúdo está seriamente prejudicada pela situação de pandemia, com inúmeros lançamentos adiados e cancelados.

O ganhador mais óbvio até agora são as plataformas de intercâmbio de vídeo e de mensagens instantâneas usada para comunicações corporativas e sociais. O número de assinantes disparou diante das necessidades da onda de teletrabalho. É bem possível que saia daí uma nova cultura, até mesmo pela percepção de que o custo de deslocamento e perda de tempo com trânsito sugere mais eficiência das reuniões tela a tela.

Os meios eletrônicos de pagamento, que poderiam estar bombando como nunca em um período como esse, amargam perdas pela simples razão de que pessoas já com dificuldades financeiras ou temerosas de perder renda estão menos dispostas a gastar. Enquanto não têm coragem de ir às lojas físicas, pode ser que essas mesmas pessoas ajudem mais adiante o comércio eletrônico e os meios de pagamento. O que será, será.

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