A hora do café com prosa


Sílvio Ribas

Jornalista parece movido a café. No ambiente de trabalho, cada um de nós bebia dezenas de xícaras ou copinhos plásticos ao longo do expediente, com as quais dávamos breves pausas para calibrar o pique na escrita. Sair da cadeira e buscar a bebida quente também era a senha para puxar um ou outro colega até uma reunião informal de pauta ou só para tomar pé do bochicho do dia. Naqueles tempos elegantes, o cafezinho se convertia ainda em ritual de hora marcada e personagens únicos.

A lembrança mais briosa que guardo do velho hábito de ofício é o cortejo do carrinho prateado do Jair pelos corredores das redações do Jornal do Comércio e do Jornal de Casa, em Belo Horizonte. Religiosamente, às 14h, o senhor simpático de camisa social branca e gravatinha borboleta preta passava de mesa em mesa com seu fumegante bule, servindo repórteres e editores em porcelanas timbradas. Elvira Santos festejava. Eu sempre pedia meu café sem açúcar ou adoçante. “Para mim cowboy, por favor”, brincava.

Em outras empresas que labutei, a busca rotineira pelo outrora ouro negro do Brazil se repetia noutros formatos, com espaços e utensílios próprios. Na sede paulistana do extinto Brasil Econômico, por exemplo, havia uma copa self service ajeitadinha, onde acionávamos máquinas que preparam nosso essencial café. Era um cantinho no polo oposto ao dos aquários dos chefes, bom para todos conversarem de pé. É. Aqueles cujas veias corriam tinta de jornal e cafeína sempre valorizam uma boa prosa.

Na antessala estreita da redação do Correio Braziliense, a maior da capital federal, que dá para um dos elevadores, havia garrafas térmicas para jornalistas e visitantes, aos quais advertíamos (com exagero) que café de redação era “o pior do mundo”, embora fosse também o mais consumido. As opções binárias – com e sem açúcar – se juntavam a uma terceira, com apenas água quente, para quem tivesse saquinhos de chá. Tudo do bom e do melhor, sem correr o risco de heresias como a do café descafeinado.

Meu editor Adilson Borges é quem me ensinou o caminho do estimulante aroma n’A Tarde, em Salvador. Até as 17h, pegávamos o café na copa e nos sentávamos num sofá defronte a ela. A partir daí, restavam-nos garrafas térmicas colocadas sobre uma mesa bem no meio da redação, que também era usada em aniversários e despedidas. No Estado de Minas, por sua vez, o ponto de encontro era uma máquina italiana ao lado do bebedouro, na entrada dos banheiros. Café liberado só na área externa reservada aos fumantes, que depois ganhou a companhia de uma lanchonete. Papo bom.

Muito antes da proliferação das máquinas de expresso pelas editorias, com cartuchos variados, já desfrutávamos do fator gregário do café. Seu espírito comunitário se turbinava nos fumódromos, em parceria com cigarros. Até quem não fumava era tentado a desfrutar de encontros enfumaçados onde irrompiam ricos debates em torno da conjuntura. As tertúlias se espraiavam por pequenas cafeterias, com ou sem livros, que surgiam no entorno dos prédios dos jornais, onde íamos atrás de... prosa. Então, vamos tomar café?


OBS: Texto publicado pela newsletter Jornalistas&Cia, em 24 de outubro de 2019

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