Chutes no Chaco


Sílvio Ribas

Por que o maior jornal de economia do país me levou a cobrir, no exterior, um jogo amistoso entre seleções? Explico já. Albino Castro, então editor do Viagens & Negócios, caderno semanal de turismo da Gazeta Mercantil, me designou no início de 1998 para cumprir uma missão especial: “mostrar o Paraguai além do comércio de importados”, espantando preconceitos e detalhando o lado legal (nos dois sentidos) do país.

Correspondente em Belo Horizonte, fui exultante a São Paulo receber pessoalmente minha primeira pauta internacional. Fora indicado pela editora Marília Cesar, que via em mim um repórter sensível aos detalhes, perfil tido como ideal para o desafio. O diretor de redação, Mario Almeida, brincou que a escolha se deveu às minhas “afinidades com o interland”.

Logo que saí do aeroporto de Assunção, a imagem que me impactou primeiro foi a majestosa sede da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e sua gigantesca fonte em forma de bola na entrada. Por duas semanas, virei a capital paraguaia ao avesso, apurando todos os atrativos. Restaurantes, folclore, história, arquitetura, casinos, economia, política, curiosidades, migrantes brasileiros... não excluí nada.

Além de cobrir o rumor de golpe para derrubar o presidente Juan Carlos Wasmosy, a experiência mais marcante da empreitada foi assistir, em 8 de fevereiro de 1998, no estádio Defensores del Chaco, à partida Paraguai e Polônia. O confronto servia de treino e de despedida para a Copa do Mundo e terminou com vitória do dono da casa por quatro a zero. E a vantagem no placar poderia ser duas vezes maior.

Recém-reformada, a arena com capacidade para 41 mil espectadores, estava lotada e fervia como caldeirão naquela ensolarada tarde de domingo. Da arquibancada, brados retumbantes saudavam o ídolo Chilavert (Chila!), goleiro e capitão de La Albirroja. De lá também se ouviam ambulantes com tablados na cabeça a vender chipa, o tradicional biscoito de queijo paraguaio no formato de ferradura (Mira la chipa!).

Mais inusitadas foram, contudo, as cenas exibidas no gramado. Os recém-pousados poloneses foram abatidos na grama pela insolação. Vindos do rigoroso inverno europeu diretamente para o escaldante verão sul-americano, sem escalas, os visitantes perderam pique e rumo.

Devido ao calor abrasador, o jogo teve momento único nesse esporte: o técnico polonês Janusz Wojcik pediu “tempo”, para que seus atletas se refrescassem e bebessem água. A Polônia fez cinco substituições. Quando um adversário não alcançava a pelota, a galera gritava “carreta”, em alusão aos lentos carros de boi.

A melhor “selecíon nacional” de todos os tempos estava, por sua vez, a mil por hora naqueles 40 graus à sombra. A jornada intercontinental teve gols de Benítez e Arce, no primeiro tempo, e de Ayala e Ferreira, no segundo.

Entediado com a falta de trabalho, Chila cavou pênalti contra as próprias redes, derrubando um atacante na área, aos 42 minutos da segunda etapa. Isso para realizar bela defesa em dois lances: mão e pé, no rebote. Em seguida, pediu para sair, dando volta olímpica no campo, sob o aplauso das arquibancadas.

Sem grande brilho técnico, o time comandado pelo brasileiro Paulo César Carpegiani tinha rigorosa organização tática. Acabou indo às oitavas de final em 1998, tombando diante da anfitriã e campeã França. O Paraguai teve a defesa menos vazada da Copa, com dois gols sofridos. Seu melhor desempenho em cinco mundiais tinha sido até então em 1986, no México, quando chegou à segunda fase.

Gamarra, Sarabia, Caniza, Paredes, Enciso, Acuña e o resto do elenco moram até hoje na minha mente e no coração dos paraguaios.

Comentários