Juros altos no Brasil. Até quando?

Eles já foram condenados em verso e prosa, em público e no privado, ao longo das últimas cinco décadas, sempre associados a adjetivos pejorativos: estratosféricos, escorchantes, indecentes, pornográficos, imorais, agiotas... insuportáveis.

Estou falando, é claro, dos elevadíssimos juros brasileiros, que vivem colocando o país na humilhante liderança da usura global e que sempre provocaram a repulsa da maioria da população.

Aplicado como remédio amargo para conter a escalada de preços, o juro real básico em nível extremamente elevado desempregou dezenas de milhões de trabalhadores em diferentes épocas, fechou fábricas e sepultou sonhos de cidadãos. A tal política monetária restritiva significa, em bom português, cobrar caro pelo dinheiro para desestimular o consumo de pessoas e empresas.

Mas essa prática adotada pelos bancos centrais do mundo todo para combater inflação ganhou contorno dramático no Brasil, seja pelas doses extravagantes, seja pelos largos e repetidos períodos de aplicação. Quase nos acostumamos a ver os juros muito altos como se fossem característica própria do Brasil. Consequência de turbulências momentâneas e de distorções acumuladas, os juros sustentam a sua própria resistência em cair. Os juros sempre nos desafiaram.

O grande problema é que, de tempos em tempos, emergem ideias mirabolantes e simplistas junto com a promessa de baixar os juros, como se fossem fruto de mero detalhe. Os artificialismos com esse intuito não deram certo e nunca dariam. Na vida não existe sorte ou azar. Existem escolhas e, para cada uma delas, consequências. O Brasil que queremos depende das escolhas que fizermos. Se quisermos juros baixos para valer, temos de agir com determinação e clareza.

Os juros elevados são consequência de enormes desajustes de nossa economia que vários governos ignoraram ou não conseguiram apoio suficiente para superá-los. Na origem dos nossos desequilíbrios macroeconômicos há, com frequência, um regime fiscal frágil, que quando permite aumentos expressivos da dívida pública desperta a desconfiança quanto à capacidade do governo de honrá-la.

Em resumo: o maior responsável pela expressiva taxa real de juros é uma desorganização estrutural que vem de muito longe e está calçada no descontrole das contas públicas. Os trágicos 13 anos de gestão petista, sobretudo o governo da presidente afastada Dilma Rousseff, deixaram essa fratura exposta, que cobra dos agentes públicos uma dura correção de rumos.

Depois da tragédia recente na economia, o tempo de trucagens, malabarismos e improvisos acabou. A orgia fiscal anulou o tripé macroeconômico que continha o caos econômico de três décadas de inflação crônica. A irresponsabilidade consagrada na chamada nova matriz econômica resultou nos dois anos da maior recessão de nossa história, uma carestia descontrolada e os atuais 12 milhões de desempregados.

O governo passado conseguiu a proeza de manter a inflação alta mesmo praticando grave aperto monetário, que arruinou o PIB e levou ao aumento vertiginoso das despesas com rolagem de dívidas federais. Esse paradoxo é ilustrado no fenômeno conhecido como dominância fiscal, o impasse de se elevar ainda mais a taxa básica de juros e provocar com isso o crescimento de despesas e perda de receitas. Se ficar, o bicho pega. Se correr, o bicho come.

No artigo “Juros e conservadorismo intelectual”, publicado mês passado pelo jornal Valor Econômico, o economista André Lara Resende levantou a hipótese de que taxas nominais mais altas acabam, no longo prazo, resultando em inflação. Como bem frisou ele, sem equilíbrio fiscal de longo prazo não há saída.

Os juros brasileiros têm patamar exagerado porque ainda não conseguimos colocar o Estado acima dos interesses privados e do populismo. Não é por acaso que assistimos nos últimos tempos o país praticar suas usuais maiores taxas de juros do mundo na contramão da maioria dos países, sem qualquer sucesso nos alvos dessas práticas.

Mesmo quando a nossa economia despencava, os juros não paravam de subir. Isso tudo porque ainda não implantamos uma política fiscal serena e duradoura que impedisse a política monetária de destoar do resto do mundo. O juro real dos títulos públicos indexados ao IPCA com vencimento em 2022 está hoje em 5,76%. Essa taxa chegou a ficar em 3,2% no fim de 2012, quando a presidente baixou os juros básicos na canetada.

Em setembro de 2015, no auge da deterioração econômica, esse percentual foi de 7,8%. Mas economistas apostam que esse percentual poder cair gradualmente para 4% numa primeira fase, desde que o país faça o dever de casa. Os juros são consequência e não causa. A causa está em deformações de um Estado que não cabe no orçamento público.

Conforme anotou o sociólogo italiano Carlo Bordoni: “Um Estado em permanente crise, em vez de ser provedor e garantidor do bem-estar público, torna-se parasita da população, preocupado apenas com a própria sobrevivência, exigindo cada vez mais e dando cada vez menos”. Infelizmente, interesses privados e corporativos sequestram o Estado brasileiro, o que explica sua condição de permanente crise. No lugar disso, deveríamos construir pontes nos conduzam a custos menores, mais eficiência, mais produtividade e mais equilíbrio nas contas públicas.

Estudo da CNI divulgado mês passado revela que o Brasil continua em penúltimo lugar no ranking da competitividade numa lista de 14 países, à frente só da Argentina na avaliação de fatores decisivos para a conquista dos mercados interno e externo. O elevado “spread” dos bancos, a margem que eles cobram nos seus empréstimos, é um capítulo à parte, envolvendo questões variadas, que vão da fragilidade legal das garantias à elevada inadimplência do mercado nacional.

Chegou a hora de o Brasil enfrentar as suas verdades. A hora é de coragem. Temos a oportunidade de um governo de transição, cuja principal tarefa é justamente a de organizar o país para o futuro. Temos a oportunidade e a obrigação de entregarmos um país que produza oportunidade e justiça. O futuro começa aqui. O governo Temer já colhe os primeiros resultados positivos do esforço para arrumar a casa. O recuo da inflação anual medida pelo IPCA foi considerável – de 10,67% em 2015 para 6,29% no passado, portanto inferior ao teto da meta do BC, de 6,5%.

Apesar da fragilidade da economia, as expectativas inflacionárias continuarão cedendo e, consequentemente, a taxa básica de juros do Banco Central. Mas é só o começo de um longo caminho até chegar ao ideal. Na última reunião do seu comitê de política econômica, o BC cortou 0,75% da taxa básica de juros, para 13% anuais. Com a Selic atual, o Brasil segue no topo do ranking do juro real no mundo, em torno de 6%. Além disso, a atual carga de juros leva o país a pagar mais de R$ 1 bilhão por dia de juros da dívida interna.

Por isso, é fundamental a continuidade de uma agenda de reformas. A dívida bruta do governo, hoje em 71% do PIB, chegaria a 90% em 2021, independentemente do que fosse feito, pois esse percentual já estava contratado. A diferença agora é que estamos sinalizando uma interrupção nessa trajetória. A aprovação de um teto de gastos para o orçamento federal foi um avanço com reflexos nas expectativas futuras. Temos agora a chance de avançar mais e trocar mais adiante um círculo vicioso por um ciclo virtuoso.

Medidas em análise pelo Congresso, como a reforma da Previdência, além de outras como a flexibilização do mercado do trabalho, a simplificação tributária e ações para desburocratizar e melhorar o ambiente de negócios, são essenciais para contornar o desequilíbrio fiscal estrutural e criar as condições para derrubar os juros.

Estamos no caminho certo, mas é preciso reconhecer onde estamos e porque chegamos aqui. É preciso encarar os desafios colocados na mesa e vencê-los com coragem para impedir retrocessos.
Continuar fazendo o mesmo é achar que agora vai dar certo é uma insanidade. Não deu certo, não daria e não tem chance de dar.

Precisamos fazer diferente para que os resultados sejam diferentes. Não adianta nos vender soluções mágicas, como se o motor fosse bom e só precisasse de recolocar umas peças no lugar. O desafio é bem maior. É preciso persistir sem atalhos, pois de atalho em atalho chegamos ao fundo do poço, um quadro insustentável com riscos maiores. Gradualmente, com disciplina e paciência, derrubaremos de vez e de forma sustentada o juro real no Brasil.

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