Leniência demais

A Medida Provisória 703, classificada com razão pela imprensa de um “presente de Natal” do governo Dilma às empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público, me causou não apenas espanto, mas também grande indignação.
A MP editada no apagar das luzes de 2015, em pleno recesso parlamentar, trouxe alterações significativas no que já havia sido decidido pelo Senado sobre acordos de leniência, como são chamadas as delações premiadas de pessoas jurídicas na apuração de casos de corrupção.
Baixada em 18 de dezembro, a medida muda dispositivos da Lei 12.846, a Lei Anticorrupção, para facilitar acordos pelos quais as empresas colaboram nas investigações em troca de poder voltar a disputar licitações sem receber outra punição administrativa.
A presidente ousou revogar justamente o dispositivo que condicionava o acordo de leniência à manifestação inicial da própria empresa envolvida de querer cooperar com a apuração do crime. Esse aspecto pedagógico da lei não podia ser subtraído.
Outro relaxamento inadmissível trazido pela MP é a redução da prescrição penal para crimes cometidos contra a lei de licitações e contratos administrativos – dos atuais 12 anos para apenas cinco.
Esse benefício a corruptos e corruptores afronta normas de licitação, além de ser uma clara violação constitucional.
Gestada na Advocacia Geral da União, órgão ativo na defesa privada da presidente, a MP ainda centraliza na própria AGU e na Controladoria Geral da União a condução dos acordos de leniência. Com isso, o Executivo está alijando o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, órgão do Legislativo, da negociação com empresas.
Se juntarmos essas mudanças nas regras da leniência com o projeto de repatriação de recursos ilegais do exterior, temos a prova cabal de que o governo correu em busca de um caminho para a anistia da corrupção. O objetivo dessas manobras é reduzir os prejuízos que elites corruptas tiveram com as operações do Ministério Público, apostando na conhecida lentidão da Justiça.
Isso é uma tragédia, se lembrarmos que a boa novidade hoje no país é ver esforços como os da Operação Lava-Jato punindo corruptos e efetivando o processo penal. Esse movimento não pode ser interrompido, permitindo que a CGU celebre convenientes acordos.
O governo quer ser uma instância para socorrer empresas, impedir penalidades e acobertar práticas ilícitas. Isso é o que vemos quando o governo inclui na MP a impossibilidade de se usar documentos e declarações nas investigações em casos de frustração do acordo de leniência.
Por esse e os demais motivos, a medida provisória 703 revela-se um claro retrocesso, que deve ser barrado pelo Congresso.A experiência internacional mostra a validade dos acordos de leniência que, a exemplo dos Estados Unidos, estão previstos pelas seguradoras. Vamos, então, voltar o foco nos avanços nos instrumentos de combate à corrupção e banir os recuos propostos pelo Planalto.

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