Segunda carta aos brasileiros

Sílvio Ribas

Dez anos após Lula acalmar os mercados com o compromisso de não mexer nas bases da estabilidade econômica, agora é o momento da gestão petista fazer novo acordo com o setor produtivo, em favor da competitividade

A Carta aos Brasileiros — documento assinado em junho de 2002 por Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato de oposição à Presidência e líder nas pesquisas — foi um marco na história política brasileira. Diante da elevadíssima desconfiança do mercado financeiro e de potências estrangeiras, sobretudo os Estados Unidos, em relação às pretensões do maior líder da esquerda brasileira, Lula firmou compromisso de respeitar contratos nacionais e internacionais.

O estresse com a perspectiva de vitória do PT colocou o risco-país nas alturas, o dólar havia ultrapassado R$ 4 e a inflação anualizada superava 30%. O último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi marcado pelo esforço para conter a debandada de capitais, turbinando juros. O pânico gerado pela insegurança dos investidores com o "risco Lula" foi parcialmente contido pela carta que, do ponto de vista político, foi fundamental para o projeto petista seguir adiante, com sua parceria inédita com setores de centro.

A carta ao povo se dirigia ao mercado para tentar desarmar ataques especulativos ao deixar claro que não haveria aventuras. Hoje, no balanço de exatos 10 anos da publicação do texto costurado pelo ex-presidente do PT José Dirceu, o país saiu ganhando por ter mantido o tripé econômico (metas de inflação, superavit primário das contas públicas e câmbio flutuante) garantidor da estabilidade monetária e não ter revogado importantes avanços, como as privatizações dos setores siderúrgico e telefônico e da mineradora Vale.

Lulinha Paz e Amor, como o próprio se definiu na transformação de imagem bolada pelo marqueteiro Duda Mendonça, acertou ao abraçar diretrizes macroeconômicas construídas pelo antecessor e não fazer as mudanças radicais que tinha defendido ao longo de mais de uma década antes, nos palanques da vida. "Ele tinha até direito de errar, mas acabou acertando mais que errando", resume o mineiro João Camilo Penna, ex-ministro de Indústria e Comércio e um dos principais conselheiros do setor elétrico.

O presidente mais popular da história brasileira e agora um mito também acertou em ter deslocado seu carro-chefe na política social do Fome Zero para os programas de distribuição de renda criados por FHC. Turbinados, eles viraram o Bolsa Família e se somaram à política de aumento real do salário mínimo para emergir uma nova classe consumidora no país. Dez anos se passaram e a rede de proteção praticamente se institucionalizou. Mas o modelo econômico se esgotou por não ter feito nenhuma reforma além das que os tucanos já tinham feito.

Dilema Drummondiano
E agora, José? A longa festa da bonança internacional, que cobriu a maior parte dos dois mandatos de Lula, acabou. A luz das vitrines do consumo emergente brasileiro se apagou. Os gargalos estruturais agora deixam a nu a nossa dificuldade de fazer o Produto Interno Bruto (PIB) crescer de forma sustentável, sem inflação, além de 4,5%. A desindustrialização já está começando a roer postos de trabalho, justamente os que pagam mais. E agora, José? E agora, Lula? E agora, Dilma? E agora, você? O mercado da vida real — e não mais só o mercado financeiro — quer uma outra Carta aos Brasileiros.

O setor produtivo, representado pelo Partido da Indústria, termo cunhado pelo filósofo paulista Renato Janine Ribeiro, quer agora não apenas um documento para conservar, mas ações pró-ativas. Quer condições para competir no mundo e aproveitar os ganhos do mercado interno.

A iniciativa privada está pronta para construir os portos, os aeroportos, as rodovias e as ferrovias que o Estado não consegue construir no tempo e nos custos desejados. O assalariado quer receber parte do que é embutido na folha de pagamento como encargo social. As resistências ideológicas que foram dobradas em nome da estabilidade e do respeito precisam se render aos fatos. E nada melhor que a urgência de uma crise mundial para colocar as tarefas esquecidas na ordem do dia.

Fonte: Correio Braziliense

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