Memórias agarradas

 Sílvio Ribas

Um aluno com a sua pasta pendurada no ombro ruma diariamente pelas trilhas de pedras, terra e cimento do longo trajeto de volta da escola para casa. Ele repete o mesmo caminho, com desvios apenas ocasionais, cruzando ruas, avenidas e descuidados matinhos à beira das calçadas.

Dessa caminhada vinham os constantes carrapichos, as pequenas sementes espinhentas que se agarram sem pedir licença nas suas meias, barras da calça e até nos cadarços dos tênis. Nem mesmo os que iam de bicicleta para o lar escapam dos danados, alguns bem escondidos nas dobras das roupas.

Este é um retrato de minha infância, pintado na minha memória daqueles saudosos anos 1970 e 1980 de uma pequena, poeirenta e quente Curvelo (MG). Enquanto caminhava nos fins de tarde, observava flores silvestres, borboletas e pés de mamona que acenavam por trás dos muros dos quintais.

Só ou com colegas que me acompanhavam até onde dava, nem reparava as plantas que roçam as minhas pernas. Mas, ao chegar da querida Escola Estadual Interventor Alcides Lins em casa, no centro da cidade, percebia logo as esferinhas presas às vestes e, despreocupado, as tirava com as mãos.

Aquele ritual silencioso de catar carrapicho me deixou acostumado com a teimosia dessas pequenas lembranças dos caminhos urbanos com relances rurais. Nessa rotina, me punha a pensar no sorriso inesperado que despertei do meu amor secreto, a coleguinha que se sentava numa carteira de trás.

Recordava também do doce feito de chuchu comprado na saída das aulas e ainda sonhava com um brinquedo novo no Natal ou, quem sabe, no Dia das Crianças. Nesses momentos revivia coisas que depois ficariam cada vez mais raras, como os próprios carrapichos, eliminados na zeladoria municipal.

Certo dia, lembro que os estudantes foram surpreendidos com a notícia de que seriam liberados mais cedo. A euforia tomou conta da turma, que decidiu aproveitar as horas de liberdade. Em vez de seguirem direto para casa, fomos explorar um campinho e uma árvore para brincadeiras e aventuras.

Sem perceber o tempo passar, improvisamos pega-pega, corridas e jogos de arremesso de pedras. À medida que a luz do dia ia embora, os sinais de preocupação em casa surgiram, mas as nossas risadas não paravam. Os pais, por sua vez, se perguntavam por que os filhos ainda não haviam chegado.

Aos poucos, carros apareceram no campo e a meninada, suja e coberta de carrapichos, foi arrebatada pelos olhares ansiosos dos pais. Aliviados, eles decretaram o fim da nossa farra e nos deram depois a merecida bronca. A rota da alegria tem surpresas e armadilhas. Mas é a felicidade que nos agarra.

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