O sultão e o "sarrafi"
As
experiências que tive em um dos últimos sultanatos do mundo, muito distante culturalmente
do Ocidente, foram inesquecíveis. Entrevistei em inglês por uma semana ministros,
executivos, gestores, parlamentares e técnicos. E conheci as tradições daquele
povo simples na voz de servidores públicos e feirantes. A tevê já tinha
revelado curiosidades dos omanis em belas reportagens de Glória Maria
(Globo, 2012) e Sérgio Utch (SBT, 2013).
Mascate
– designação de vendedor ambulante para os brasileiros – parecia ter o nome certo
para uma cidade portuária de 600 mil habitantes onde se pratica o milenar
talento comercial das Arábias. Em todas as reuniões lá se serve o tradicional
café com tâmaras e no centenário souq (mercadinho) se compra túnicas, tapetes e
incenso dos tempos bíblicos. Foi interessante ver vistoso shopping decorado com
publicidade ilustrada por famílias típicas.
A
capital com longo calçadão à beira mar e severa cordilheira ao fundo é o
refúgio de um deserto que exibe temperaturas de até 50 graus centígrados. Em diferentes
pontos de Omã despontavam obras de infraestrutura e joias arquitetônicas das
mil e um noites, tudo voltado a negócios e turismo. Neles se incluíam pesca,
esportes náuticos escoltados por golfinhos e até circuitos ciclísticos. A
rodovia para o norte tem centena de quilômetros arborizados.
Na
gigantesca mesquita ganhei O Corão em português e na tevê assisti
programas com intermináveis cânticos, novelas brasileiras com cortes nas cenas
mais “quentes” e disputados desfiles de camelos. Foi surpreendente circular pelo
Porto de Sohar, emergente polo industrial do país, numa perua dirigida por jovem
coberta de preto. Revi estereótipos após ouvir da velha curadora de centro
cultural: “Não tocamos mãos. Tocamos corações”.
O
mais interessante ali foi encontrar, em meio a tanta aridez e conturbação, uma
nação de 3 milhões de pessoas gentis, que faziam do país o oásis da tolerância.
O sultão, que estava no poder desde 1970, quando derrubou o próprio pai, não tinha
filhos nem indicou sucessor. Ele se projetou ao longo de décadas de absoluto reinado
como hábil negociador, mediando diálogo entre Irã e Estados Unidos, por
exemplo, e sendo respeitado pelos vizinhos.
Sua
Majestade foi a única fonte que não pude entrevistar, embora tenha ido até às
portas do seu palácio. Contudo, lamento mesmo não me lembrar dos nomes da dupla
de funcionários do governo que se revezaram como guia, motorista e intérprete
das minhas andanças por lá. Eles contavam piadas sobre a sua rotina e os seus
costumes tribais e me mostravam sem receio os hábitos islâmicos. Chucran
(Obrigado), meus bons amigos.
PS: publicado hoje pela newsletter Jornalistas&Companhia
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