O General Inverno contra a Rússia
Ao longo da sua longa história, a Rússia contou com o frio
intenso sobre o seu vasto território como um fator determinante a seu favor nas
batalhas e nas invasões que enfrentou. O famoso General Inverno foi o
responsável pelos fracassos retumbantes de Napoleão Bonaparte e de Adolf
Hitler, em suas respectivas investidas para conquistar Moscou.
Sob baixas temperaturas, os russos, agora no papel de
invasores, enfrentam eles próprios outros ventos congelantes, vindos do
Ocidente e de natureza financeira. A forte reação ao ataque à vizinha Ucrânia
já produziu sérios efeitos contra a Federação Russa, afetando seu abastecimento
doméstico, os seus fluxos de capitais e a cotação da sua moeda, o rublo.
O “cancelamento” político e econômico movido pelos governos
e pelas empresas da União Europeia, do Reino Unido e dos Estados Unidos está
custando muito caro ao cotidiano do povo russo e ao status quo do presidente
Wladimir Putin. A atual invasão russa, que alcançou seu 18º dia e ainda com
consequências imprevisíveis, provoca medo constante dentro e fora da região do
conflito.
O inverno econômico que avança impiedosamente sobre a Rússia
tem aspectos conhecidos, mas também salienta o espírito do movimento
internacional que emula valores reunidos na sigla em inglês ESG, de
sustentabilidade ambiental, preocupação social e governança. Trata-se do
primeiro teste no front bélico para a atual onda moral e ecológica dos
negócios.
A crescente debandada de marcas de peso que romperam
rapidamente com o mercado russo inclui Shell, BP, Coca-Cola, Visa, Hugo Boss,
Netflix, Amazon, Apple, Dell, Disney, GM, Ford, Google, HP, Intel, Mastercard,
Sony, Toyota, Samsung, McDonald’s, Starbucks, Unilever e L'Oréal. O resultado
de imediato desse abandono em massa é mais esfriamento da atividade econômica,
logo após as dificuldades com a Covid-19.
A nata do PIB global entende que governos e organismos
multilaterais já não são mais suficientes para solucionar os maiores dramas do
planeta, a nossa casa comum, tais como as catástrofes climáticas, a exclusão
social e as pandemias. É o capitalismo de stockholders mostrando o seu poder na
prática, movido a dinheiro de investidores conscientes, a manuais de condutas
corporativas e a preocupação reinante com o patrimônio reputacional perante as
sociedades.
Contra o congelamento de ativos do país e de seus cidadãos
mundo afora e em reação aos bloqueios aéreos e da fuga de empreendimentos, o
governo russo promete confiscar os bens deixados pelos estrangeiros. Mas nem
mesmo as suas folgadas reservas cambiais podem ajudar, pois também são alvo de
sanções. Restará então ao Kremlin fazer chantagem nuclear, com seis mil ogivas
apontadas para o Ocidente, ressuscitando a Guerra Fria? Até quando dará para os
camaradas se virarem com ameaças de outras invasões, redobrada censura
doméstica e criptomoedas?
Enquanto se espera um acordo dos dois lados do conflito para
cessar fogo, a inflação dispara na terra dos cossacos, sobretudo nas
prateleiras de alimentos básicos, levando milhões de consumidores a fazerem
fila e a estocarem produtos. Será esse o começo da "venezuelização"
da Rússia, com o avanço da pobreza e um recuo ainda maior da democracia? A
resposta para essa pergunta poderá vir nos próximos dias, com a confirmação ou
não da primeira inadimplência russa nos pagamentos externos, o que não
significará, por hora, a falência do país, pois há aí um período de carência de
30 dias, até meados de abril.
A campanha invernal em território russo levou à derrocada
dos seus invasores no passado. Desta vez, a história engendra novo General
Inverno, que traz como primeira lição do maior conflito militar em solo europeu
desde a Segunda Guerra Mundial o quão elevado é o custo de se invadir um país
hoje em dia. “Até aqui, Rússia e Estados Unidos invadiram Afeganistão e Iraque,
sem que os demais países impusessem sanções. Graças à Ucrânia, estão
descobrindo o preço de invasões”, anotou o professor Cristovam Buarque no
Correio Braziliense.
Segundo o ex-senador, em poucas semanas, Putin deixou de ser
o reconstrutor da Rússia e passou à história como líder irresponsável. “Além de
invadir uma nação soberana, desfaz a economia de seu próprio país, devido aos
efeitos das sanções que não percebeu que viriam e ao isolamento consequente em
um tempo de economia globalizada”, completou. Toneladas de neve virão.
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