De Mimi a Michelle
Sílvio Ribas
Separadas por intervalo de quase 50 anos, elas usufruíram – cada
uma à sua época – de quartos na Casa Branca reservados a jovens presidentes dos
Estados Unidos, líderes eleitos pelo Partido Democrata e detentores de um
magnetismo global. Tais semelhanças são, contudo, as únicas percebidas nas
trajetórias das americanas Mimi Alford, estagiária e amante de John Fitzgerald
Kennedy, e Michelle Obama, a carismática esposa de Barack.
Essas mulheres descrevem retratos perfeitos de dois momentos
da História no mais poderoso país do planeta. Confrontados, seus perfis e
biografias revelam o prólogo e o estágio mais recente de uma revolução de
costumes ainda em curso. Por cerca de meio século, longevas batalhas por
igualdade de oportunidades para gêneros e raças colecionaram importantes
vitórias.
Mesmo tendo como pano de fundo comum a Presidência de dois
influentes e inspiradores políticos, os livros de Mimi e Michelle, respectivamente
Era uma Vez um Segredo (2012) e Minha História (2018), mostram a evidente
reforma cultural americana após a passagem delas por Washington. Os seus
relatos íntimos denotam não apenas duas origens e duas personalidades
contrastantes. Eles delimitam a sucessão de fases históricas.
A causa feminina nos EUA ganhou impulso após a revolução
sexual dos anos 1960 e, na mesma época, a cidadania negra alcançou finalmente
os direitos civis. As mulheres da América puderam cruzar fronteiras do lar e
superar a mera condição de objeto de desejo e controle masculinos, ocupando postos
na profissão e na política. Com lances igualmente eletrizantes, puderam os
afro-americanos chegar, por seu turno, ao topo da montanha com Obama.
Da absoluta submissão de adolescente branca aos caprichos de JFK
chegou-se ao libertador brilho próprio da primeira dama negra. Nesse tempo
entre duas situações houve outra intermediária em todos sentidos, no escândalo
sexual de outro presidente democrata novo e boa pinta, Bill Clinton, com outra
estagiária, Monica Lewinsky, mas sem a outrora vista grossa da mídia.
Nessa transição de modelos, Clinton, que aos 16 apertou a mão
do seu ídolo Kennedy, tinha na residência oficial uma esposa assertiva como
Michelle, Hillary. Só que essa era sedenta de poder, até mais do que o próprio
marido. Miss Obama foi companheira de um presidente que também sabia falar às
massas e atrair holofotes. Mas ela e ele souberam ser o casal número um.
Com gestos e palavras, Michelle consolidou-se como poderosa
porta-voz de mulheres e meninas em luta por protagonismo. Ela promoveu avanços
reais e simbólicos e continua sendo ícone. Sua glória sobrepôs retratos ocultos
de heróis, como o de Mimi, que viveu romance de 18 meses com JFK curtido
nas ausências de Jackie Kennedy
em casa ou em viagens, até a morte trágica dele, em novembro de 1963. A História
avança, mesmo com recuos.
Protestos antirracistas que se espalharam pelo mundo após o
assassinato do americano George Floyd por um policial branco, em 25 de maio de
2020, incentivaram o debate sobre monumentos que homenageiam figuras de
histórico racista ou genocida. JFK, Clinton e Obama promoveram negros e
mulheres, mas suas gestões foram degraus de subida. Restam mais a galgar.
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