A mentira como defesa
Por Sílvio Ribas
De tudo já se viu na história política brasileira. Desde o seu começo, a República foi abalada por diferentes turbulências que levaram à renúncia, à derrubada, ao impedimento e até ao suicídio do presidente.
De tudo já se viu na história política brasileira. Desde o seu começo, a República foi abalada por diferentes turbulências que levaram à renúncia, à derrubada, ao impedimento e até ao suicídio do presidente.
No seu
episódio mais sombrio, o chefe do Executivo deixou o cargo pela imposição das
armas, o golpe militar de 1964. E no maior teste que sofreu durante o atual
período democrático, o instrumento constitucional do impeachment foi levado
adiante, em 1992, atendendo ao desejo das ruas e ao zelo pela normalidade
institucional.
A crise
atual nos traz novamente ao processo extremo do impedimento, marcado pelo pleno
funcionamento das instituições republicanas. O país está mal em muitos
aspectos, mas a sua democracia mostra inegável vigor e saúde.
Embora o
impasse esteja sendo abordado pelos mecanismos previstos pela Constituição e o
seu encaminhamento pelo Congresso Nacional goze do apoio da grande maioria da
população, ele acabou encontrando agravantes no comportamento impróprio, antidemocrático
e indigno do governo da presidente Dilma Rousseff.
Confrontada
com uma realidade adversa, a presidente, que está oficialmente sob processo de
impeachment, cuja tramitação se iniciou no Senado esta semana, resiste à
perspectiva de perda do cargo da pior forma possível. No momento derradeiro,
decidiu praticar a injúria internacional contra o seu próprio país.
Ela e os
seus defensores insistem em chamar acintosamente de golpe de Estado um processo
legal cujo rito foi inteiramente convalidado pela Suprema Corte do país por
mais de uma vez.
Nesta
atual crise política, que nasceu e se realimenta diariamente na figura da
presidente Dilma, as gravíssimas conseqüências sociais e econômicas parecem não
ser suficientes para ela ceder aos fatos.
Como se
não bastasse a sua incapacidade de enxergar os malefícios de seu desgoverno e
de responder consistentemente às acusações de crime de responsabilidade que
motivam seu impeachment, a chefe do Executivo agrega à terrível quadra da vida
nacional a infâmia de seus gestos desesperados para continuar no poder.
O
reiterado uso de canais diplomáticos do Itamaraty e de serviços de imprensa do
Planalto para difundir mentiras sobre a crise política brasileira no exterior
revela um completo desprezo pelas normas democráticas e pela impessoalidade do
Estado.
Essa
irresponsabilidade, que provoca sérios danos à imagem do país, é mais uma forma
abjeta de patrimonialismo deste governo. Usa-se e abusasse da coisa pública em
benefício próprio, sem se importar com os prejuízos atuais e futuros de seus
caprichos.
O que ela
está colocando em jogo com esse apelo insincero à opinião internacional é a
credibilidade de nossas instituições no contexto das nações e da funcionalidade
de nossa democracia. É algo ainda mais revoltante do que se ver um criminoso
que carrega na teatralidade para se apresentar ao público como vítima para
ocultar os crimes e ganhar a compaixão dos incautos.
O que
alguns chamam de uma estratégia do governo de angariar respaldo externo para
sua indefensável posição trata-se na prática da aplicação do mesmo blefe em
escala global, aproveitando-se da boa vontade e da desinformação alheia.
Três
ministros do Supremo Tribunal Federal refutaram explicitamente na última
quarta-feira a tese estapafúrdia de golpe da presidente Dilma. Os ministros
Celso de Mello, decano da Corte, Gilmar Mendes e Dias Toffoli disseram que o
processo seguiu estritamente a Constituição e seguiu as regras definidas pela
própria Suprema Corte. Contra fatos não há argumentos.
“O
procedimento preliminar instaurado na Câmara dos Deputados, disse o STF pelo
menos duas vezes em julgamento público, mostra-se plenamente compatível com o
itinerário que a Constituição traça a esse respeito. Portanto, ainda que a
senhora presidente da República veja, a partir de uma perspectiva eminentemente
pessoal, a existência de um golpe, na verdade, há um gravíssimo equívoco”,
disse Celso de Mello.
Para o
respeitado ministro, usar a tribuna do Brasil na ONU para denunciar um suposto
golpe é algo no mínimo estranho, depois de ter sido uma tese errada de defesa.
O ministro
Gilmar Mendes, ao também reagir às insanidades da presidente, também manifestou
que os procedimentos do impeachment têm sido absolutamente normais dentro do
quadro institucional.
Dias
Toffoli, ministro cuja trajetória está ligada diretamente ao PT, partido da
presidente, fez a crítica mais direta aos ataques de Dilma ao processo de
impeachment. Diz ele: “Falar que o processo de impeachment é um golpe depõe e
contradiz a própria atuação da defesa da presidente. Alegar que há um golpe em
andamento é uma ofensa às instituições brasileiras, e isso pode ter reflexos
ruins inclusive no exterior, porque passa uma imagem ruim do Brasil”.
Ela não
pode mesmo negar que temos uma democracia sólida, que funciona e que suas
instituições são responsáveis.
Incompetente
administrativamente, inábil politicamente e desprovida de bom senso, a
presidente também está entrando na história como uma governante movida pelo
egoísmo extremo, capaz de sacrificar todo um país por motivos torpes.
Ao se
dizer injustiçada quando não o é, denigre instituições da República. Por se
levantar contra as decisões da Justiça e do parlamento apresentando argumentos
falsos, contraditórios e vazios, amplia seu leque de iniquidades.
Quando
leva inverdades ao mundo com a capa de denúncia em torno de assuntos internos,
macula sem piedade a reputação do Brasil, de longa tradição na diplomacia e nas
grandes causas da humanidade.
O fato é
que o mandato da presidente está prestes a ser interrompido de forma legal, sem
qualquer violação das regras institucionais e democráticas, e ela prefere
combater o inevitável com as armas dos falsários e embusteiros, apequenando a
República, ofendendo instituições e oprimindo o povo.
Sua
sucessão de erros até agora à frente do governo e seu apego incomum ao cargo
agravaram a crise para um nível de tensão nunca antes visto, solapando o mínimo
vestígio de integridade no exercício de suas nobres funções.
As
finanças públicas foram arrasadas, a confiança no governo quebrada e agora querem
nos levar a um constrangimento externo associado a um grande sacrifício
interno. Inaceitável.
Depois de
atacar de maneira injusta o Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional,
nas questões relativas ao atual processo de impeachment, e a Polícia Federal, o
Ministério Público Federal e a Justiça Federal, em outras frentes, o governo
afronta a Constituição como nenhum outro.
O processo
jurídico e político que a presidente está ora submetido, absolutamente dentro
da legalidade, a coloca em condições de ser julgada pelos crimes cuja pena é o
afastamento sumário de o cargo.
Sem ter
como desmontar as evidências de seus desvios e sem conseguir esconder um mero
inconformismo, prefere apelar para maniqueísmos, para a vitimização e para o
falso heroísmo. É o tal “jus esperneandis”, no chavão de juristas. Isso tudo
sem se dar conta de o efeito colateral de sua investida inglória é manchar a
sua própria biografia com episódios sem qualquer conexão com a atualidade e com
a razoabilidade.
A Câmara
dos Deputados cumpriu o seu papel e o Senado Federal, como juiz natural do
impeachment, também honrará o seu, na espera de uma população inteira e de um
país à deriva.
O Supremo
Tribunal Federal continuará atestando a lisura do processo, que não promoveu os
alegados cerceamento de defesa ou qualquer tipo de açodamento. Pelo contrário.
Tudo está transcorrendo com a total transparência, com acompanhamento dos
agentes legais e da imprensa, inclusive com transmissões ao vivo das sessões.
Não vale mesmo a pena brigar com os fatos. Nem afrontar Poderes e zombar da sua
própria trajetória de vida.
Se a
presidente prefere insistir no discurso falacioso de golpe, fingindo
desconhecer o ordenamento jurídico em vigor no país e o omitindo dos
observadores estrangeiros, terá de ser enquadrada pela leitura objetiva da
História com H maiúsculo.
A
presidente não é só chefe de governo, mas também chefe de Estado. Isso lhe dá
legitimidade para atuar no plano internacional, mesmo estando politicamente
desgastada. Repito: ela não pode usar dessa prerrogativa em proveito próprio,
contra uma nação inteira, sem mediar as graves conseqüências. O Brasil se
revelará maior que os seus sórdidos intentos.
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