O papel roxo da maçã


Na minha sertaneja Curvelo (MG) dos distantes anos 1970 e 1980, cada detalhe da vida cotidiana parecia querer contar algo superior, que merecia ser notado e louvado. Por isso, a chegada de algo novo na cidade virava logo um acontecimento para a nossa gente.

As maçãs argentinas, por exemplo, vinham do importador de Belo Horizonte como pequenos tesouros embalados no mistério de um mundo bem mais vasto e elegante do que o nosso atual. O aroma doce que se desprendia delas anunciava prazer reservado às ocasiões especiais.

A sensação de fresca novidade que pousava na geladeira ou na cesta da cozinha, antes mesmo de as frutas serem desembrulhadas, não perecem na memória. Essas maçãs eram diferentes de tudo que se colhia nos quintais e sítios. Brilhavam como se polidas à mão, cada uma cuidadosamente protegida pelo sublime papel de seda roxo.

Para nós, crianças, o invólucro parecia manto de nobreza e a cor da paixão. Por isso, tinha algo quase cerimonial em descobri-las — um gesto lento, respeitoso, como quem tira a capa de um presente raro. Não eram alimentos do dia a dia. Parecia coisa para rico ou para quem carecia de dieta especial.

Eram coisa cara ou parte da alegria barulhenta das quermesses de São Geraldo e Santo Antônio, onde surgia em outro formato encantado, vestidas de vermelho anda mais vivo, na ponta dos palitos das maçãs do amor, reluzentes sob as luzes coloridas das barracas e dos brinquedos do parque de diversões.

Na apresentação natural, as grandes e suculentas "manzanas" da Argentina mereciam etiqueta de consumo à altura: comíamos de garfo e faca. A fruta, que parecia tão distante de nossa rotina, transformava o frugal em solene. Até os talheres pareciam se envaidecer.

E o papel roxo? Ah! Era um brinde à parte, guardado em gavetas, usado em brincadeiras, transformado em capa de livro ou em envelope para bilhetes imaginários. Aquela folha do tamanho de guardanapo cheirava a descoberta e a sonho de ir além das ruas empoeiradas do Curvelo.

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