Viagem ao Curralinho de trem
Mineiro tem uma coisa com trem. É algo tão grande que tudo
pode simplesmente ser chamado de trem. Gosto muito de ferrovias e locomotivas,
desde quando era menino lá na pequena e empoeirada Curvelo dos anos 1970 e
1980. Foi nas férias escolares de meio de ano em 1978 que vivi uma experiência
única e marcante nos trilhos que partiam da minha cidade natal quando ainda
transportavam passageiros. Carregada de memórias inesquecíveis e de um
sentimento de nostalgia que permanece vivo no meu peito até hoje foi a minha
viagem de ida e volta até a vizinha Corinto, cravada nesse mesmo coração das
Minas Gerais.
Com a companhia sempre agradável de Jorgina, minha outrora
babá e irmã adotiva, embarcamos na estação histórica de Curvelo, um lugar que
agora é um belo museu cercado de outras edificações relacionadas ao tema
ferroviário, que ainda guarda arquiteturas e lembranças douradas daqueles dias.
Naquela época, a estrada de ferro ainda servia para integrar cidades, pessoas e
negócios, com seu movimento, energia e horas alegres. Os pontos de partida e
chegada para aventuras e encontros que conheci eram menos movimentados que os dos
tempos de nossos pais, avós e bisavós. Mas eram paradas encantadoras.
O vagão de lanchonete era o nosso aconchego enquanto a
locomotiva, provavelmente movida a querosene, nos levava lentamente para o
sertão adentro. Pelas grandes janelas, a paisagem desfilava diante dos nossos
olhos curiosos, e a majestosa composição nos presenteava com vistas
espetaculares. O cair da tarde durante o trajeto de uma hora e meia pintava o
céu com tons de laranja e rosa, criando um cenário perfeito para uma jornada
bucólica que já era, por si só, um programa. Entre um gole de mate-couro e uma
mordida no cachorro-quente havia muita beleza para ser admirada naqueles telões
com cortinas de persianas.
Os bancos de madeira, o barulho cadenciado das rodas sobre
dormentes de madeira e cursos de ferro e a tranquilidade do percurso nos
permitiam mergulhar em pensamentos e soltar suspiros, além de falar das
expectativas para as próximas horas e dias de descanso e prazer. As curvas da
estrada revelavam à cada virada um novo conjunto de morros, matas de cerrado,
pequenos rios e propriedades rurais que pareciam saídas de uma galeria de arte.
“Que bonita é a nossa região! Que bom é a gente poder passear por aqui”,
pensava.
Ao chegar em Corinto, chamada pelos antigos de Curralinho, fomos
recebidos pela minha saudosa madrinha e prima Silvia Torres e o seu marido,
Stélio Afonso Durães, na época gerente do Banco do Brasil naquele município. A sua
casa, cheia de vida e calor, era o cenário ideal para aqueles dias de pura
alegria. Seu filho mais novo, Flávio Antônio, ainda pequeno e se apoiando no
andador, e a filha mais velha, Fernanda, ainda criança, enchiam a casa de risos
e brincadeiras. Fazíamos bolos e doces, desenhávamos e pintávamos quadros com
tinta a óleo, atividades que deixaram mimos tanto no papel quanto nas maravilhosas
reminiscências de infância. Não esqueço do cuidado de Sílvia comigo, a ponto de
diluir o remédio amargo que eu tomava naqueles dias em um copo de suco natural
adocicado.
A volta para Curvelo trouxe consigo as telas que pintamos, recordações
físicas de dias cheios de amor e diversão. Essa passagem pelo pequeno trecho da
ferrovia mineira é um episódio que não se apagara como fumaça de trem. Hoje, ao
relembrar essa história, sinto um misto de saudade e gratidão por ter vivido um
tempo em que os trens não só levavam gente, mas também pedaços bons de nossas
vidas, criando momentos que resistem à passagem dos anos e décadas.
Rumo ao Norte de Minas, no Trem do Sertão, que transportou
passageiros até 1996 e ainda hoje é lembrado com carinho, conheci mais da
riqueza de nossa terra. Lembro da novela Irmãos Coragem, que teve cenas
gravadas na estação de Curvelo. Lembro do distrito de Mascarenhas. Lembro da
Rua do Footing de Corinto, cidade de ferroviários, com entroncamento de quatro
ramais: Sertão/Montes Claros, Pirapora, Diamantina e Bahia-Minas. Lembro dos
amigos corintenses que fiz na vida, mundo afora.
A distância entre Curvelo e Corinto é de 77 quilômetros. De carro, a viagem entre as duas cidades geralmente leva em torno de uma hora, dependendo das condições do trânsito. Já de ônibus, o tempo de viagem pode ser uma meia hora a mais, considerando as paradas ao longo do percurso. Muito parecido com a viagem de trem que fiz. Mas sem o mesmo charme que tinha.
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