Teremos um "baby-boom" pós-Covid?
Sílvio Ribas
A quase unanimidade
dos analistas classificou a crise mundial gerada pelo maldito vírus de maior
catástrofe humana desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Na sequência, não
faltaram relatórios pessimistas sobre o efeito devastador da pandemia sobre
vários negócios, de todos os portes, com a perspectiva de um tsunami global de
falências e desempregados.
Passados seis meses
dessa batalha intercontinental, agora mais concentrada nas Américas, vemos medo
e esperança dançarem de rosto colado no salão, em meio a graves incertezas.
Milhões de postos de trabalho foram para o espaço junto com a X-Space e
milhares de empresas fecharam as portas. Mas também é fato que já há razões
para crer na recuperação em V, aquela que bate no fundo e volta a subir em
seguida, aqui e em outros países.
Essa percepção se deve
ao fato de que a economia não é uma ciência exata e seu desempenho está calçado
não apenas na disponibilidade de recursos livres, poder de consumo e
mão-de-obra empregada, entre outros fatores. Ela se move pela psicologia
individual e coletiva, pelas expectativas, desejos e temores reais ou
imaginários.
Alguns empresários e
políticos já haviam desenhado um cenário no qual o demorado isolamento ou
distanciamento social acabaria por produzir na retomada não apenas uma sensação
de alívio, mas também de liberação de energias represadas, rumo ao reencontro
com pessoas, rotinas, produtos e serviços. Eles enxergam nesse embarque na
realidade pós-Covid-19 oportunidades combinadas com o pavor de novas ondas de
contaminação.
Uma pequena mais
significativa amostra disso veio na forma de um vídeo que viralizou rápido esta
semana, mostrando a algazarra de parisienses na segunda-feira (1º) ocupando as
calçadas e as mesas externas dos famosos cafés. O comentário dos clientes era de
que, mesmo ainda preocupados com a doença, estavam fartos do prolongado
confinamento e se sentiam enebriados em voltar a frequentar os lugares de
charmoso convívio social.
Mas o exemplo mais
importante ocorreu no fim da semana, na sexta-feira (5), quando uma marcha de
otimismo contaminou mercados globais. Por aqui o dólar voltou a ficar abaixo de
R$ 5 e o Ibovespa Futuro disparou diante dos dados econômicos dos Estados
Unidos, que mostraram impressionante recuperação do mercado laboral.
A maior potência do
planeta criou 2,5 milhões de postos de trabalho em maio, contraindo
expectativas negativas. Além disso, a taxa oficial de desemprego nos EUA no mês
passado recuou de 14,7% para 13,3%, quando os economistas esperavam alta para
19%.
O comportamento dos
investidores revelou uma impressão de que o pior pode ter passado, indicando
uma retomada no terceiro trimestre de 2002. Isto é que está se percebendo nas
maiores economias, deixando em segundo plano as emergentes, hoje as mais
afetadas pela pandemia e que precisarão do empurrão do mundo lá na frente para
engatar a retomada. A saída das quarentenas está mostrando, na prática, que a
crise pode ter duração menor do que esperavam a maioria dos especialistas.
Quanto ao Brasil, o
contexto local parece ser mais instável e adverso que o internacional. Mas
também tem sinais alentadores. O primeiro deles veio, como sempre, do
agronegócio, com estimativa oficial de superávit de US$ 46,6 bilhões na balança
comercial em 2020.
A produção industrial
tombou 18,8% em abril sobre março, mostrou o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) na quarta-feira (3). Foi a pior queda da série histórica
iniciada em 2002, mas ficou abaixo da média das apostas de economistas ouvidos
pela Bloomberg, uma queda de 28,3%.
Com o dólar
valorizado, o país ficou barato para o capital estrangeiro, o que pode atrair
investimentos mediante também uma continuidade da agenda de reformas
estruturais, avalia o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, ao
Infomoney. Ele acha até que a economia pode surpreender positivamente.
Esse refresco ainda
não é motivo de comemoração diante de continuidade e acúmulo de sofrimento de
doentes e perdas de vidas. O mundo registra hoje 6,5 milhões de infectados e
387 mil mortes pelo novo coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS). Os EUA são o país com o maior número de infecções, 1,9 milhão, e mais de
108 mil mortos. O Brasil vem logo em segundo lugar, com 615 mil casos e 34 mil
mortes.
Podemos, contudo,
sonhar com uma euforia após a estabilização ou a paz após essa guerra da
humanidade contra um inimigo comum e invisível. Posso parecer ingênuo, mas quem
sabe tenhamos nos próximos anos um momento igual aos anos 1950, com a geração
baby-boomer, fruto do retorno dos soldados aos seus lares e do fomento de um
otimismo que favoreceu o romance, o consumo e os sonhos dourados.
OBS: artigo publicado originalmente no LinkedIn
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