Momento 14-Bis
Sílvio Ribas
Os brasileiros têm o maior orgulho dos gênios nacionais da música e do futebol, tendo no topo da sua lista de preferidos os reis Roberto Carlos e Pelé. Os cidadãos deste país também se mostram envaidecidos ao apontar nomes de pesquisadores locais que se tornaram, no século passado, destaque da corrida mundial pela inovação, como Vital
Brazil, o criador de soros contra picadas de cobras e aranhas, e Alberto Santos Dumont, o pai da aviação.
Em paralelo, outros tantos merecedores do aplauso de conterrâneos estão para ser incluídos no seleto grupo dos cientistas mais populares na memória da nação, caso do padre gaúcho Roberto Landell deMoura, precursor das telecomunicações. O sucesso dessa seleção de perfil mais acadêmico é, contudo, creditado pela maioria das pessoas como sendo exclusivamente fruto do ardor criativo e, sobretudo, da persistência dos filhos desta terra, que não desistem nunca. Os mais lembrados emergem em meio às tradicionais dificuldades do país no campo do conhecimento novo, seja a burocracia nacional para proteger inovações, seja pela visão limitada sobre a importância de fazer negócios de alto nível e de alcance global.
Tal qual se vê nos esportes, onde os brasileiros ainda colecionam mais êxitos nas modalidades coletivas que nas individuais, de novo é o papel desconcertante e individualizado do craque que parece fazer a principal diferença na hora de decidir o jogodocampeonato.
A verdade ignorada nisso tudo estáno fato de que o trabalho de equipe, a atenção aos movimentos do mercado externo e o
desempenho pelo Estado de um papel preferencialmente indutor e não enxerido na economia pesam hoje tão ou mais nos resultados que o virtuosismo pessoal. Emdiferentes partes do globo, a geração de riquezas e de empregos se deve essencialmente a robustos ambientes de inovação.
A cooperação faz milagres, particularmente no meio digital, e a fixaçãodegrandesmetasnacionais canalizaenergia criativa de um país inteiro para os alvos corretos. O Brasil não pode mais
contar apenascomlíderes inovadores voluntaristas e que dependem
de alguma sorte para chegar lá, correndo o risco de figurar
como Steve Jobs semVale do Silício e sem Apple.
Essa distância entre a boa governança de país voltada à inovação
industrial e a vontade de bravos de fazer algo diferente é o
que explica porque João doAmaralGurgel,donoda fábrica de automóveisquelevava
seunome,nãoencontrounopaísoincentivo
esperado e nemumecossistema adequado para dar outros passos.
Limitações assim é que impedem que montadoras 100%
verdes e amarelas evoluamcomoas coreanasHyundai eKia.
A aberturade linhas de crédito voltadas à geração de produtos
e de processos inéditos é insuficiente. É preciso fazer o futuro hoje,
como ensinaOzires Silva, fundador da Embraer.Hoje, quando
a indústriabrasileira corre atrás dos prejuízos gerados pelobaixo
crescimento e pela invasão de manufaturas importadas, o discurso
do presidente norte-americano Barack Obama, feito aos congressistas
em janeiro de 2011, deveria inspirar saídas para os pibinhos
do Brasil. Ele apontou a inovação como uma das soluções
definitivas para tirar a maior economia do mundo do atoleiro,
face à concorrência asiática.
“Meio século atrás,
quando os soviéticos nos
derrotaram na corrida espacial
ao lançar um satélite
(Sputnik), não tínhamos
ideia de como os superaríamos
para ir à lua.Mas,
após investir em mais
pesquisa e educação, não
só superamos os soviéticos,
como também lançamos
uma onda de inovação que
criou indústrias e milhões
de empregos. Este é o momento
Sputnik da nossa
geração”, comentou. Entre
os alvos que propôs para
serem perseguidos estavam
áreas de biomédica, de tecnologia
da informação (TI) e, especialmente, de energia limpa,
“que criarão número incontável de empregos”.
Considerando que nossomaior inimigo somos nósmesmos,
nossa pouca crença na capacidade de dar saltos planejados e
calçados em projetos nacionais, defendoummomento 14-Bis. A
façanha de SantosDumont a partir da França, lançando as bases
da indústria aeronáutica, deveria servir de exemplo para outras
investidas, desta vez a partir do próprio país.
Para fazer uma comparaçãomais precisa entre as trajetórias
dos dois gigantes das Américas, devo citar pelo menos três momentos
Sputnik do Brasil. O primeiro veio da campanha do
Petróleo é Nosso, pelo monopólio estatal da exploração do
petróleo e que levou à criação da Petrobras há 60 anos. A companhia
contrariou previsões pessimistas e extraiu riqueza das
profundezas do mar, apostando na pesquisa científica e empregando
soluções próprias, devidamente patenteadas.
Osegundo, tambémnaáreadeenergia, foi a audaciosa resposta
dada pelo país ao choque de oferta global de petróleo do
começo dos anos 1970, criando o Pró-Álcool, o programa que incorporou
o biocombustível aos veículos.Mais ou menos na mesma
época, surge a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), que acaba de completar 40 anos, ajudou o Brasil a se
tornarumdos líderes na oferta de comida aomundo.
Por fim, a última resposta dada aos clamores ou às provocações
do exterior veio do esforço industrial para melhorar
qualidade da estrutura produtivaemfunção da abertura comercial
dos anos 1990, apósumadécada perdida e fechada ao mundo.
Hoje, importamos álcool de milho dosEUA.
Vida real
Enquanto isso, os EUA já colhem frutos da aposta na criatividade
e no empreendedorismo, vide exploração do volumoso gás
de xisto, uma fronteira considerada proibida de ser cruzada. O
presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano,
Ben Bernanke, descreveu no último sábado um cenário
otimistamovido a ciência aplicada. Para isso, ilustrou a revolução
na produtividade e na qualidade de vida nos últimos 100 anos,
com o uso de lavadoras e computadores. “Tanto a capacidade da
humanidade de inovar quanto os incentivos para inovar são
maiores hoje do queemqualquer outromomento”, diz.
Fonte: Correio Braziliense, 20 de maio de 2013
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