A revolução do simples

Por Sílvio Ribas Che Guevara foi o último argentino a merecer o título unânime de revolucionário em escala global. Desde abril deste ano, outro nascido no país vizinho assumiu a condição de influente símbolo de novas ideias, mas com a grande diferença de atuar a partir de uma instituição milenar, pacífica e farol para 1,2 bilhão de habitantes em todos os países. Somente a História com agá maiúsculo poderá avaliar, ao cabo, o tamanho da revolução recém-iniciada pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio, o papa do fim do mundo, como o próprio se definiu. Contra todo tipo de fanatismo, ele quer mostrar, na prática, que a essência de uma cultura pode, enfim, se sobrepor à avalanche de aparências em torno dela. A reforma administrativa em curso na Cúria Romana, o politburo da Santa Sé, é apenas uma das muitas mudanças radicais que ele está empreendendo, cujos desdobramentos serão ainda mais surpreendentes. A maior delas está na sua postura de líder espiritual, na qual gestos são tão ou mais fortes que palavras. Ao se definir como pecador e abrir mão da pompa e das benesses de um cargo único, Francisco mergulha na raiz do cristianismo e abre com ousadia uma trilha para superar a persistente intolerância nas sociedades, maior praga da humanidade. A sua abertura ao convívio com homossexuais, ateus, divorciados e defensores do aborto é a mesma flexibilização proposta por conhecido carpinteiro judeu de Nazaré, ao declarar: “Não julgueis”. O papa simples até no nome inquieta muita gente. Tira da zona de conforto todas as pessoas ao mostrar, como o popular santo italiano que o inspirou, quão demolidor é o poder da simplicidade. Ao colocar a Igreja no plano horizontal, como explicou recentemente, busca o contato direto com as pessoas e com a vida concreta, sem perder tempo com detalhes excessivos. Nada mais moderno e atual do que descomplicar a comunicação entre indivíduos, sejam eles crentes, sejam descrentes. Na última revolução sem tiros que mudou a cara do planeta, a liderada pelo soviético Mikhail Gorbachev, o comportamento altruísta de poderosos também ditou fatos. No caso de Francisco, bom é saber que Nelson Mandela, no ocaso da existência, não está mais sozinho no posto de referência maior do pacifismo. Fonte: Correio Braziliense da última quinta-feira, 10 de outubro de 2013.

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