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Mostrando postagens de novembro, 2014

Cabeças no lugar

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Por Sílvio Ribas Ai que saudade dos tempos da União Soviética! Era com esse bordão, dito toda vez que algum disparate geopolítico era estampado na mídia, que eu arrancava sonoras gargalhadas do jornalista mineiro Dídimo Paiva. Mestre em cobertura internacional e referência maior da luta dos profissionais da imprensa no Brasil pela liberdade de expressão e de organização durante a ditadura militar, o mais experiente colega de redação do Estado de Minas era também o meu mais ilustre cúmplice na crítica à gradual perda universal de paradigmas. A comunidade de nações perdeu desde a última década do século passado a sua bússola ideológica, cujos ponteiros sempre estavam apontados para o Leste (comunista) e o Oeste (capitalista). Mais do que isso, o pensamento da humanidade era moldado em polos distintos de conservadorismo e contestação, de cujo embate se chegava a avanços nos direitos civis. Até mesmo a produção cultural do planeta confirmava outro paradoxo: em um mundo menos livre que hoj...

Um trio nos planos de Dilma

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Após dois dias de intensas conversas com os conselheiros políticos mais próximos, a presidente Dilma Rousseff chegou a um consenso em torno dos três principais nomes da equipe econômica de seu segundo mandato. Em reuniões com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o governador da Bahia, Jaques Wagner, e com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, ela definiu uma solução destinada a eliminar as tensões que ainda pairam sobre o mercado financeiro, geradas pelas incertezas. A trinca seria encabeçada pelo presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, como novo ministro da Fazenda, ao lado de Alexandre Tombini, que continuaria à frente do Banco Central (BC), e de Nelson Barbosa, como titular do Ministério do Planejamento. O anúncio pode ser feito até amanhã, dependendo só do sinal verde de Trabuco, que já havia declinado no mês passado. A convergência em torno do executivo se dá pelo bom relacionamento que já tem com Lula e Dilma — é o único dos banqueiros com quem ela conv...

Mãos sujas

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Por Sílvio Ribas Fotografias de momentos marcantes para um país ou mesmo de situações incomuns envolvendo autoridades costumam ter bem mais do que valor histórico. Algumas carregam o peso do sentimento de uma época ou da ideologia de um personagem. Esses são os casos, por exemplo, da famosa foto de Jânio Quadros com os pés enviesados ou do retrato icônico do guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Com a dominância do marketing político e da difusão da mídia eletrônica, esses registros memoráveis de fotógrafos, fruto do esforço profissional e de bênçãos do acaso, passaram a ser intencionalmente buscados e até obsessivamente produzidos para atender a propósitos pessoais e partidários. Ocorre que, ao buscar transformar um gesto ensaiado em uma imagem destinada às manchetes de jornais e ao imaginário popular, ocupantes do poder podem acabar caindo em armadilhas também simbólicas, levando a quadros trágicos e irônicos. Para mim, o exemplo acabado desse disparate são as poses que o então presid...

Cadê o novo ministro da Fazenda?

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De novo a novela da sucessão de Guido Mantega, ministro da Fazenda. A eventual sujeição de Dilma Rousseff aos palpites de terceiros sobre quem escolher para comandar a economia seria consequência do fato de ela ter saído da eleição presidencial com placar apertado, uma diferença de votos válidos abaixo de 3,5 milhões. Pela primeira vez em muito tempo a oposição promete ser atuante no Congresso e o maior partido da coalizão, o PMDB, segue criando dificuldades ao governo. Isso tudo sem falar dos desdobramentos dos escândalos da Petrobras, que estão bombando, mas são só o começo. Dilma não aceitará a ideia, muito forte nos mercados, de que Meirelles entrará para o governo como o "salvador da pátria". O engenheiro civil pós-graduado em Harvard e ex-executivo sênior do extinto BankBoston elevou as taxas de juros para 26,5% logo após a posse de Lula em 2003. O ex-presidente do Banco Central (BC) de 2003 a 2010 foi antes presidente global do FleetBoston e do BankBoston. “Temos de aj...

Cohabitation à brasileira

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Por Sílvio Ribas Uma eventual nomeação de Henrique Meirelles como ministro da Fazenda do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2018) seria a opção consciente da presidente por viver uma situação semelhante à encarada por François Miterrand em 1986. Em virtude de um sistema presidencialista atípico, no qual o Parlamento também se faz presente no Executivo, o líder histórico da esquerda francesa foi obrigado a conviver em seu governo com um jovem primeiro-ministro de centro-direita, Jacques Chirac, fruto da maioria congressual. Além de não contar com a simpatia de Dilma, Meirelles representa tudo o que ela sempre negou em termos de política econômica. No Brasil, o fenômeno batizado pelo ex-premiê francês Raymond Barre de cohabitation (coabitação) se repetiria por caminhos tortos e com certa dose de esquizofrenia. A presidente de pensamento desenvolvimentista, discípula número um da professora Maria da Conceição Tavares, cumpriu até agora o efetivo papel de comandante da economia, d...

Descompromisso oficial

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Por Sílvio Ribas Refeições hospitalares deixam de ser entregues a pacientes graves, motoristas e trocadores do transporte de massa tumultuam o trânsito ao cruzar os braços e caminhões da coleta de lixo deixam de circular pela cidade, gerando transtornos. De um dia para o outro, serviços essenciais custeados pelo contribuinte são suspensos por atraso nos pagamentos do governo do Distrito Federal, cujo caixa parece ter ficado sem dinheiro suficiente a pouco mais de um mês da troca de comando. Muito mais do que dificultar a transição no Executivo, esse quadro melancólico revela um Orçamento desconectado com necessidades básicas da população. No Palácio do Planalto, a prova de descompromisso de quem cumpre uma missão delegada pelo povo com as suas obrigações constitucionais se repete. Também sem dar esclarecimento convincente à população, o governo admite só nos momentos finais de 2014 que não poderá entregar o prometido para o ano. Numa cena pintada com cores surreais, alheia à rotina ...

Dilma e o ajuste de contas duvidoso

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A então candidata à reeleição Dilma Rousseff, de discurso mais sintonizado com a desenvolvimentista histórica que sempre foi, parece estar travando duro debate íntimo com a agora presidente reeleita, instada pelos mercados a responder à série de desafios econômicos. Dentre todos os ajustes que terá de executar para evitar o pior e até mesmo para garantir a governabilidade até 2018, o que se apresenta como o mais complexo, abrangente e urgente é o de sanar o grave e crescente desequilíbrio das contas públicas. Nas entrevistas que vêm dando desde o resultado das urnas, Dilma promete ouvir as opiniões divergentes e impedir que se alarguem os rombos fiscais, sejam os conhecidos ou os só revelados agora. E mais, a petista insiste que fará o “dever de casa” para recuperar a compatibilidade entre receitas, em queda, e despesas, ainda em alta. Cortes no Orçamento Federal não uma novidade no Executivo, algo que é sempre anunciado por volta da véspera do Carnaval, para adequar a peça de ficção ...

Economia política

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por Sílvio Ribas O que levou a economista Dilma Vana Rousseff, presidente da República, a errar tanto na condução da economia brasileira? Quando estreou no comando do Executivo, em 2011, sua avaliação sobre o momento econômico do país estava corretíssima, a de que o país precisava (e ainda precisa) de novo motor para o progresso, trocando o protagonismo do consumo pelo dinamismo do investimento produtivo. Só que a a receita para alcançar o objetivo é que estava redondamente enganada, divorciada da realidade local e global. Por questão de fé ideológica e das prerrogativas do sistema presidencialista, o Brasil perdeu tempo e dinheiro. Dilma apostou todas as fichas na capacidade de o Estado liderar grandes projetos estruturantes, despejando recursos do Tesouro e dando papel destacado a novas e velhas estatais, a agentes públicos de financiamento e a órgãos federais de controle, todos contaminados pelas práticas de gestão discutíveis e pelo aparelhamento político. O resultado disso tudo ...

Slogan furado do governo

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Por Sílvio Ribas "País Rico é país sem pobreza", o slogan do atual governo sofreu constrangimento quarta-feira, com a divulgação de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a população na pobreza extrema (indigência ou miséria). A frase é o mote da distribuição de renda que tem reduzido a desigualdade no Brasil, via instrumentos como o Bolsa Família. Mas a carestia e o baixo crescimento falaram mais alto. Após 10 anos de trajetória de queda, o número de miseráveis no país parou de cair. Em 2013, havia 10, 4 milhões de pessoas em lares com renda domiciliar per capita abaixo da linha de extrema pobreza, ante 10,1 milhões em 2012, avanço de 3,68%. O mais grave, me lembra um amigo, é que esses dados já estavam disponíveis desde setembro e não foram divulgadas sob a fraca e falsa premissa de que a lei eleitoral não permitia a divulgação em período de campanha. Teve até um diretor do Ipea que chegou a se demitir por causa disso. Para completar essa nota, le...