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Trinca de reis da comunicação

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  Sílvio Ribas Neste fim de semana, com a notícia da morte do publicitário Washington Olivetto, me dei conta de que, em apenas algumas semanas deste 2024 perdi minhas três maiores referências em comunicação social. Com Silvio Santos e Cid Moreira, ele forma a trinca de reis que admirava desde os longínquos tempos da Faculdade de Comunicação da PUC Minas. Lá estudei seus perfis, talentos e façanhas, ainda sem paralelos nos ramos onde cada um atuou. Primeiro a partir para a eternidade, o rei da televisão Silvio Santos é um mito como comunicador e empresário. Criou sua própria rede, seu próprio estilo e sua própria e sua página no coração de gerações de brasileiros. O senhor sorriso e dono dos domingos abriu espaços para inovações e novas estrelas. Divertiu e entrou para o imaginário popular. Insubstituível. Depois foi a vez de se calar para sempre o rei da voz Cid Moreira, o homem do boa noite dito milhares de vezes por décadas a fio a milhões de brasileiros. Depois de ser a cara do prin

Anatomia do sertanejo dos Gerais

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Sílvio Ribas O corpo místico do sertanejo dos Gerais reúne partes que somam um todo único e admirável. Vertebrado, curtido e abençoado, ele descreve uma anatomia que espanta e cativa mentes e corações. Tome tento: Morada de ideias fresquinhas e lembranças defumadas, a cabeça do sertanejo não para. Como casinha de João-de-Barro, feita de precisão e persistência, nela vivem pensamentos inquietos, lendas e conselhos. Seus braços são ferramentas de força bruta e ternura, como enxadas que rasgam a terra seca em busca do fértil ventre. São também ripas de cercas ao redor dos afetos, protegendo o seu tronco e o seu sagrado. Quando se erguem, mãos despontam desses membros desatando nós da angústia, como que destocando raízes profundas do chão árido. Calejadas e vigorosas, encontram na dureza da lida a suavidade dos gestos gentis. No peito, um tacho de cobre mistura os ingredientes mais sublimes da vida – amores, esperanças, sonhos. Lá são amassados, aquecidos em alma ardente, crescidos

Pegadas na areia

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  Sílvio Ribas Quando menino em Curvelo (MG), lá nos anos 1970, numa época em que rádio e conversas na rua eram mensageiros ágeis das novidades, o mundo era outro. Bem diferente.  Sem celulares e conexão online, os textos curtos e populares não chegavam em telinhas cintilantes, mas por meio de cópias mimeografadas, recortes de jornal e anotações caprichadas em cadernos. Eles eram difundidos também em voz alta nas reuniões de família, em eventos sociais e nas missas. Um desses breves escritos que jamais deixou de ressoar na minha cabeça foi o poema “Pegadas na Areia”, de autor desconhecido. Em marcador de livros, santinhos distribuídos na paróquia e quadros de aviso, a história conta o sonho de alguém conversando com Jesus no Céu sobre a sua trajetória na vida terrena, ilustrada por uma caminhada dos dois por uma praia. Aquelas linhas cativaram muita gente.   O desfecho inusitado da narrativa, consagrando a misericórdia divina com uma belíssima metáfora, me pareceu sintetizar a fé c

O ladrão atrás da porta

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Só faltou chamar a SWAT. Naquela tarde quente de sábado, no verão de 1981, a tensão tomou conta da minha casa em Curvelo MG). Pré-adolescente, eu, minha família e amigos vizinhos acreditávamos convictamente que havia um ladrão escondido no banheiro. Um grupo de homens se postou estrategicamente para bloquear a passagem entre o local do suposto foragido e os quartos. Outros ficaram no lado de fora, sob o elevado basculante do banheiro, tentando ver e ouvir movimentações e assistir a tentativa de fuga, captura ou rendição do meliante. Linchamento estava fora da lista. As negociações, contudo, pareciam não avançar. Tião, um amigo forte e corajoso que morava na rua de trás da nossa Sete de Setembro chegou com um ameaçador pedaço de pau – mais especificamente, uma trave de madeira grossa. Ele estava decidido a encarar e deter o ladrão, assim que desse as caras. O clima ficava ainda mais tenso. Estaríamos perto de um psicopata? O incidente começou de maneira bem singela. Ao tentar abri

O alforge do Jorge

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  Lá para os lados de Gouveia, perto de Curvelo e no rumo de Diamantina, vivia Jorge. Nos distantes anos 1930, o então rapaz de mãos calejadas e coração puro se encantou por Ana Maria. Filha de fazendeiros prósperos, a moça tinha beleza e graça que não passavam despercebidas. O tímido Jorge tomou coragem e começou a cortejá-la com o aval dos pais dela, que viam nele um jovem trabalhador e de bons princípios. Todos os domingos, Jorge vestia sua melhor roupa, montava o cavalo e cruzava as colinas para visitar Aninha depois da missa. O namoro corria bem, com conversas no alpendre e sorrisos trocados à sombra das árvores. A família toda dela gostava do namorado e sempre o recebiam com carinho e hospitalidade. Certa vez, ele foi tomado por uma forte cólica abdominal logo após chegar à fazenda. Com muita educação, pediu licença para sair até a varanda, mas, ao se ver sem penico ou outro recurso, se apressou para improvisar por ali mesmo. Envergonhado, Jorge aliviou-se em um dos alforjes

Peregrinos sem rumo

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  Na época dos antigos, como o meu pai Maurílio gosta de dizer, era comum andarilhos à beira das estradas que ligavam nossa Curvelo (MG) a outras paragens. Eles caminhavam sem pressa e sem destino certo, como folhas levadas pelo vento, compondo paisagens urbanas e rurais. A maioria deles era homens velhos, solitários e desmemoriados, que passavam de cidade em cidade, sustentando-se apenas com o que lhes davam pelo caminho e dormindo em abrigos improvisados — uma varanda oferecida por um fazendeiro, o canto de uma venda ou mesmo sob a abóbada celeste. Um desses peregrinos sem rumo, que cruzavam longas distâncias sem propósito aparente, era o seu Augusto. Pai da minha querida Arminda Marques, que foi como uma segunda mãe para mim, a sua história cruza com a da minha família materna. Arminda era irmã de criação de minha mãe, Meire, e foi ela quem acolheu o seu Augusto quando ele, depois de tanto vagar, resolveu tentar fincar raízes, ainda que provisórias, em um barracão nos fundos da no

Churchill no sertão mineiro

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  Sílvio Ribas No fim da Segunda Guerra Mundial, Curvelo estava em festa. Quando muitos soldados brasileiros voltavam para casa, algumas famílias dessa pequena cidade do sertão mineiro aguardavam ansiosamente os seus. Entre os conterrâneos empolgados estava a Dona Luzia, uma viúva de idade avançada. Ela ansiava com o coração cheio de saudade o retorno do filho mais velho, Geraldo Magela, que havia lutado bravamente na Itália. Famosa por sua simpatia e teimosia, Luzia chegou à estação ferroviária cedo, bem antes da hora do almoço, determinada a garantir um bom lugar para ver o seu primogênito desembarcar no horário previsto, começo da tarde. Com a filha mais nova, Clarinha, ao lado, ela se acomodou em um banco de madeira, de onde podia observar de perto os trilhos que davam em Belo Horizonte. Enquanto a velha mãe contava os minutos faltantes da sua longa espera, algo inusitado ocorria lá no trem que trazia Geraldo. Em um dos primeiros vagões, um senhor idoso e obeso, conhecido pel