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O banheiro VIP da sucursal

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  Sílvio Ribas A  primeira vez que vi Valério Fabris — mestre dos textos, sobretudo os perfis — ele acabara de pousar em Belo Horizonte com sua mais nova missão na Gazeta Mercantil. Vinha de Curitiba para assumir a direção da sucursal mineira em meados de 1994, meses após eu ter me juntado à talentosa equipe de reportagem chefiada por Teodomiro Braga, com André Lacerda. Valério começou logo a colocar em prática o raro talento de transformar ambientes para a conquista de pessoas e negócios. O primeiro desafio que se impôs estava na sede da GZMBH, uma bela casa de dois pisos, outrora residência e clínica médica, instalada na Rua Sergipe, na charmosa Savassi. Enxergou ali a “embaixada” da mineiridade jornalística. Tratou de espalhar artesanato do Vale do Jequitinhonha pelos cantos, jogou tapetes arraiolos no chão, pôs esculturas em pedra-sabão nas mesas e pendurou quadros com imagens coloniais nas paredes. Até suplementos que produzíamos tinham capas dignas de museu. Houve ...

A piscina cintilante do Campestre

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Havia para mim algo de hipnótico na superfície cintilante da grande piscina da sede campestre do Clube Recreativo Curvelano (CRC). Nos inesquecíveis anos 1980, o meu olhar adolescente mergulhava fundo nas ondas de luz daquelas águas límpidas, se afogando em imaginação e sonhos acordados. Manhãs e tardes ensolaradas de sábado na minha pequena Curvelo (MG) convidavam jovens, adultos e crianças a viver horas alegres. As minhas eram lá no Campestre, a seis empoeirados quilômetros do centro da cidade. As imagens desse tempo e lugar ocupam cantinho especial do meu coração. Detrás do salão de festas de piso taqueado e agito noturno despontava o piscinão da nossa casa de veraneio coletiva. Para chegar nela, virava atleta: saía bem cedo, correndo o trajeto como desafio pessoal de fim de semana. Na ida, ia embalado pelos cumprimentos nas ruas. Na volta, pedia carona. A fitinha mensal de cartolina do CRC era a senha que autorizava acesso às unidades urbana e campestre, fora os convites preenchido...

Desinflame-se!

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  A inflamação é fenômeno complexo, mas fundamental do corpo humano. É a resposta do sistema imunológico à agressão — seja por infecção, trauma, substâncias químicas, radiação e processos autoimunes. Seu objetivo é proteger o organismo, eliminando o agente agressor e iniciando os reparos. Vermelhidão, calor, inchaço, dor e perda de função, efeitos da inflamação, mostram algo errado. Mas ela pode virar doença, sobretudo se for crônica, como artrite reumatoide, aterosclerose, diabetes tipo 2, Alzheimer e até câncer. A ação defensiva cura. mas adoece se descontrolar-se. Efeito vira causa. Vejo nessa descrição científica importante ensinamento para todos nós. Temos de reagir às agressões, mas não ao ponto de a reação se tornar um novo problema, talvez até mais grave. Inflamar-se pode ser associado a fugir do controle, a perder a cabeça, a não medir as consequências dos seus atos. Para não deixar que a providencial inflamação se torne um mal, o corpo tem de se regular. Para evitar que ...

Geraldo & Antônio, uma dupla santa

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Sílvio Ribas Falar de Curvelo (MG) é, inevitavelmente, evocar São Geraldo. O santo, tão ligado à cidade, empresta seu nome à majestosa basílica dela, à fé de milhares de devotos e ao fluxo incessante de romeiros vindos de todos os cantos do Brasil — e até do exterior. A presença de São Geraldo está entranhada na cultura e na alma dos curvelanos, muitos dos quais batizados de Geraldo ou Geralda, como bênção familiar. Mas há um curioso detalhe que nutre o mistério espiritual de Curvelo: o padroeiro é outro santo, o português Santo Antônio, igualmente milagreiro, cujo nome era também o do padre Corvello, fundador da cidade e devoto fervoroso do franciscano lisboeta. Assim, o município tem por protetores dois santos que, embora distintos, parecem dividir a mesma devoção popular — uma dupla celestial que rende episódios saborosos. Não foram poucos os visitantes ilustres que se confundiram com essa duplicidade. Recordo o então presidenciável Geraldo Alckmin, em 2006, que pediu a bênção ao “p...

1980s, a década prometida

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Os anos 1980 acabaram há 35 anos, mas continuam vivos em corações e algoritmos. Para quem os viveu, como eu, a lembrança vem com um brilho de orgulho. Era o tempo do inédito, da ousadia, da trilha sonora inesquecível. O curioso é ver adolescentes de hoje, como o meu filho, que nunca giraram uma fita cassete, se encantarem por sintetizadores, jaquetas coloridas e cabelos armados como se descobrissem um tesouro. Talvez seja a prova de que aquela década foi mesmo especial — uma era de autenticidade e de rebeldia criativa que falta ao presente. Em tempos de telas frias e comportamentos pasteurizados, os eighties seguem reluzindo como um refúgio vibrante. A internet virou o novo túnel do tempo, onde os nostálgicos e os curiosos mineram clipes, filmes e estilos, reconstruindo o passado com filtros e pixels. E agora, com a ajuda da inteligência artificial (IA), esse revival ganha contornos quase mágicos: cenários recriados, personagens renascidos, convites digitais para viagens “de volta ...

A sabedoria do velho digitador

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Sílvio Ribas Saquei nova metáfora para uma lição de vida me dada pelo meu mestre João Camilo Penna, que ele ilustrou com a figura do velho tropeiro que equilibra lembrança e esperança em dois alforjes dispostos cada um de um lado, enquanto faz a viagem da vida no lombo do burro. O segredo é sempre tirar recordações pesadas de um e repor aspirações no outro. A analogia modernizada que proponho é do velho digitador, sentado dia nte de uma mesa de trabalho. No centro dela, repousa o PC, computador pessoal — ferramenta e espelho da mente. À esquerda, a fragmentadora, para desintegrar os rancores acumulados. E à direita, a impressora, sempre pronta a materializar novos e ousados projetos. Esse arranjo seria a nova viagem do viajante da era digital. O balanço do cavaleiro de outrora se traduziria agora na harmonia do operador do teclado. À esquerda, o depósito do que deve ser triturado e esquecido: dores, frustrações e culpas que pesam na consciência. À direita, as esperanças impressas, ...

Nossas samambaias choronas

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  A jardinagem nunca me seduziu, mas o passar das décadas tratou de colorir minha memória afetiva com o seu verde mais íntimo, plantado lá na infância. Hoje, ao relembrar de casas e quintais do meu Curvelo (MG), evoco plantas daqueles lentos 1970s e 1980s, que reinavam em cantinhos de frescor e ternura. Quando menino, a flora caseira era companheira constante. Minha família, como tantas da cidade, enfeitava salas e varandas com vasos de todos os tamanhos, onde flores e folhagens compunham cenários de acolhimento. Entre todas, sobressaíam as cascatas de folhas das samambaias choronas . Pendendo como lágrimas no cair das tardes, as choronas apreciavam a sombra e a umidade. Havia sempre mãos a lhes borrifar água, como quem acaricia um ser de estimação. Elas se multiplicavam em suportes de ferro e em xaxins , cujo nome engraçado jamais esqueci: uma senha da meninice. Eu via nesses aparadores metálicos esqueletos de robôs guardiões de uma ruína maia. Ao lado deles, havia ainda out...