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Paixão herdada

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Sílvio Ribas Nascemos em milênios e regiões brasileiras diferentes. Tivemos também experiências distintas para o mesmo tempo de vida. Mas nutrimos, como pai e filho, algumas poucas e fortes paixões comuns. O desenhar, o desfrute da mitologia moderna da cultura de massa, The Beatles e os hits dos anos 1980. A maior paixão herdada por ele ou a minha continuada nele é o Clube Atlético Mineiro. Somos Galo. Ele talvez até mais que eu e o avô juntos. Compartilhamos todos essa fé com alegria.  Obrigado, Glorioso, por mais essa emoção.  

Memórias agarradas

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  Sílvio Ribas Um aluno com a sua pasta pendurada no ombro ruma diariamente pelas trilhas de pedras, terra e cimento do longo trajeto de volta da escola para casa. Ele repete o mesmo caminho, com desvios apenas ocasionais, cruzando ruas, avenidas e descuidados matinhos à beira das calçadas. Dessa caminhada vinham os constantes carrapichos, as pequenas sementes espinhentas que se agarram sem pedir licença nas suas meias, barras da calça e até nos cadarços dos tênis. Nem mesmo os que iam de bicicleta para o lar escapam dos danados, alguns bem escondidos nas dobras das roupas. Este é um retrato de minha infância, pintado na minha memória daqueles saudosos anos 1970 e 1980 de uma pequena, poeirenta e quente Curvelo (MG). Enquanto caminhava nos fins de tarde, observava flores silvestres, borboletas e pés de mamona que acenavam por trás dos muros dos quintais. Só ou com colegas que me acompanhavam até onde dava, nem reparava as plantas que roçam as minhas pernas. Mas, ao chegar da qu

Trinca de reis da comunicação

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  Sílvio Ribas Neste fim de semana, com a notícia da morte do publicitário Washington Olivetto, me dei conta de que, em apenas algumas semanas deste 2024, perdi minhas três maiores referências em comunicação social. Com Silvio Santos e Cid Moreira, ele forma a trinca de reis que admirava desde os longínquos tempos da Faculdade de Comunicação da PUC Minas. Lá estudei seus perfis, talentos e façanhas, ainda sem paralelos nos ramos onde cada um atuou. Primeiro a partir para a eternidade, o rei da televisão Silvio Santos é um mito como comunicador e empresário. Criou sua própria rede, seu próprio estilo e sua própria e sua página no coração de gerações de brasileiros. O senhor sorriso e dono dos domingos abriu espaços para inovações e novas estrelas. Divertiu e entrou para o imaginário popular. Insubstituível. Depois foi a vez de se calar para sempre o rei da voz Cid Moreira, o homem do boa noite dito milhares de vezes por décadas a fio a milhões de brasileiros. Depois de ser a cara do pri

Anatomia do sertanejo dos Gerais

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Sílvio Ribas O corpo místico do sertanejo dos Gerais reúne partes que somam um todo único e admirável. Vertebrado, curtido e abençoado, ele descreve uma anatomia que espanta e cativa mentes e corações. Tome tento: Morada de ideias fresquinhas e lembranças defumadas, a cabeça do sertanejo não para. Como casinha de João-de-Barro, feita de precisão e persistência, nela vivem pensamentos inquietos, lendas e conselhos. Seus braços são ferramentas de força bruta e ternura, como enxadas que rasgam a terra seca em busca do fértil ventre. São também ripas de cercas ao redor dos afetos, protegendo o seu tronco e o seu sagrado. Quando se erguem, mãos despontam desses membros desatando nós da angústia, como que destocando raízes profundas do chão árido. Calejadas e vigorosas, encontram na dureza da lida a suavidade dos gestos gentis. No peito, um tacho de cobre mistura os ingredientes mais sublimes da vida – amores, esperanças, sonhos. Lá são amassados, aquecidos em alma ardente, crescidos

Pegadas na areia

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  Sílvio Ribas Quando menino em Curvelo (MG), lá nos anos 1970, numa época em que rádio e conversas na rua eram mensageiros ágeis das novidades, o mundo era outro. Bem diferente.  Sem celulares e conexão online, os textos curtos e populares não chegavam em telinhas cintilantes, mas por meio de cópias mimeografadas, recortes de jornal e anotações caprichadas em cadernos. Eles eram difundidos também em voz alta nas reuniões de família, em eventos sociais e nas missas. Um desses breves escritos que jamais deixou de ressoar na minha cabeça foi o poema “Pegadas na Areia”, de autor desconhecido. Em marcador de livros, santinhos distribuídos na paróquia e quadros de aviso, a história conta o sonho de alguém conversando com Jesus no Céu sobre a sua trajetória na vida terrena, ilustrada por uma caminhada dos dois por uma praia. Aquelas linhas cativaram muita gente.   O desfecho inusitado da narrativa, consagrando a misericórdia divina com uma belíssima metáfora, me pareceu sintetizar a fé c

O ladrão atrás da porta

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Só faltou chamar a SWAT. Naquela tarde quente de sábado, no verão de 1981, a tensão tomou conta da minha casa em Curvelo MG). Pré-adolescente, eu, minha família e amigos vizinhos acreditávamos convictamente que havia um ladrão escondido no banheiro. Um grupo de homens se postou estrategicamente para bloquear a passagem entre o local do suposto foragido e os quartos. Outros ficaram no lado de fora, sob o elevado basculante do banheiro, tentando ver e ouvir movimentações e assistir a tentativa de fuga, captura ou rendição do meliante. Linchamento estava fora da lista. As negociações, contudo, pareciam não avançar. Tião, um amigo forte e corajoso que morava na rua de trás da nossa Sete de Setembro chegou com um ameaçador pedaço de pau – mais especificamente, uma trave de madeira grossa. Ele estava decidido a encarar e deter o ladrão, assim que desse as caras. O clima ficava ainda mais tenso. Estaríamos perto de um psicopata? O incidente começou de maneira bem singela. Ao tentar abri

O alforge do Jorge

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  Lá para os lados de Gouveia, perto de Curvelo e no rumo de Diamantina, vivia Jorge. Nos distantes anos 1930, o então rapaz de mãos calejadas e coração puro se encantou por Ana Maria. Filha de fazendeiros prósperos, a moça tinha beleza e graça que não passavam despercebidas. O tímido Jorge tomou coragem e começou a cortejá-la com o aval dos pais dela, que viam nele um jovem trabalhador e de bons princípios. Todos os domingos, Jorge vestia sua melhor roupa, montava o cavalo e cruzava as colinas para visitar Aninha depois da missa. O namoro corria bem, com conversas no alpendre e sorrisos trocados à sombra das árvores. A família toda dela gostava do namorado e sempre o recebiam com carinho e hospitalidade. Certa vez, ele foi tomado por uma forte cólica abdominal logo após chegar à fazenda. Com muita educação, pediu licença para sair até a varanda, mas, ao se ver sem penico ou outro recurso, se apressou para improvisar por ali mesmo. Envergonhado, Jorge aliviou-se em um dos alforjes