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Santo Antônio: um rio à margem

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As histórias de muitas cidades começam à beira de um rio. Em Curvelo (MG), não foi diferente: o nascimento urbano se deu junto ao Ribeirão Santo Antônio. Ainda assim, para mim, ele sempre foi um estranho íntimo, presente e ausente ao mesmo tempo, alguém que correu ao lado da minha vida sem jamais ser devidamente apresentado, apesar da proximidade insistente de suas margens silenciosas. A imagem mais nítida que guardo desse personagem oculto é a curva que ele desenha ao contornar o Hospital Santo Antônio, exatamente onde nasci, no fim do s agora distantes anos 1960. O “rio” da cidade acabou reduzido a referência de esgoto a céu aberto, trecho temido por doenças, esconderijo de marginais e até palco de assombrações sussurradas. O ribeirão esteve sempre ali, a poucas ruas da casa onde cresci, cruzando a BR-135 e depois a 259, passando rente ao velho hospital e seguindo até o bairro Bandeirantes. Um fio d’água persistente, quase invisível, que atravessava a cidade enquanto nós atravessáv...

Vida pública na escola

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Foi lá em 1982, na sexta série do chamado primeiro grau, que fiz um ensaio inicial de cidadania e exercício da vida pública. Na querida Escola Estadual Interventor Alcides Lins, da minha sertaneja Curvelo (MG), experimentei ainda criança as emoções de uma campanha eleitoral, com tudo o que ela tem de sonho, mobilização e disputa honesta pelos corações e mentes dos eleitores. Fizemos política no sentido mais nobre e essencial. O alvo do nosso engajamento era a diretoria formada por estudantes de diferentes classes do Centro Cívico Irmã Raimunda Marques, identificado em crachás e editais espetados nos quadros de feltro com a sigla CCIRM. Para nós que nos candidatamos a esses postos, o grêmio estudantil não era símbolo de autoridade, mas sim o laboratório de civismo e de serviço responsável à comunidade. Criamos a chapa UBC — Unidos pelo Bem Comum, nome que parecia traduzir as nossas aspirações de meninos e meninas que já vislumbravam algum propósito maior da vida em sociedade. A caminh...

O banheiro VIP da sucursal

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  Sílvio Ribas A  primeira vez que vi Valério Fabris — mestre dos textos, sobretudo os perfis — ele acabara de pousar em Belo Horizonte com sua mais nova missão na Gazeta Mercantil. Vinha de Curitiba para assumir a direção da sucursal mineira em meados de 1994, meses após eu ter me juntado à talentosa equipe de reportagem chefiada por Teodomiro Braga, com André Lacerda. Valério começou logo a colocar em prática o raro talento de transformar ambientes para a conquista de pessoas e negócios. O primeiro desafio que se impôs estava na sede da GZMBH, uma bela casa de dois pisos, outrora residência e clínica médica, instalada na Rua Sergipe, na charmosa Savassi. Enxergou ali a “embaixada” da mineiridade jornalística. Tratou de espalhar artesanato do Vale do Jequitinhonha pelos cantos, jogou tapetes arraiolos no chão, pôs esculturas em pedra-sabão nas mesas e pendurou quadros com imagens coloniais nas paredes. Até suplementos que produzíamos tinham capas dignas de museu. Houve ...

A piscina cintilante do Campestre

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Havia para mim algo de hipnótico na superfície cintilante da grande piscina da sede campestre do Clube Recreativo Curvelano (CRC). Nos inesquecíveis anos 1980, o meu olhar adolescente mergulhava fundo nas ondas de luz daquelas águas límpidas, se afogando em imaginação e sonhos acordados. Manhãs e tardes ensolaradas de sábado na minha pequena Curvelo (MG) convidavam jovens, adultos e crianças a viver horas alegres. As minhas eram lá no Campestre, a seis empoeirados quilômetros do centro da cidade. As imagens desse tempo e lugar ocupam cantinho especial do meu coração. Detrás do salão de festas de piso taqueado e agito noturno despontava o piscinão da nossa casa de veraneio coletiva. Para chegar nela, virava atleta: saía bem cedo, correndo o trajeto como desafio pessoal de fim de semana. Na ida, ia embalado pelos cumprimentos nas ruas. Na volta, pedia carona. A fitinha mensal de cartolina do CRC era a senha que autorizava acesso às unidades urbana e campestre, fora os convites preenchido...

Desinflame-se!

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  A inflamação é fenômeno complexo, mas fundamental do corpo humano. É a resposta do sistema imunológico à agressão — seja por infecção, trauma, substâncias químicas, radiação e processos autoimunes. Seu objetivo é proteger o organismo, eliminando o agente agressor e iniciando os reparos. Vermelhidão, calor, inchaço, dor e perda de função, efeitos da inflamação, mostram algo errado. Mas ela pode virar doença, sobretudo se for crônica, como artrite reumatoide, aterosclerose, diabetes tipo 2, Alzheimer e até câncer. A ação defensiva cura. mas adoece se descontrolar-se. Efeito vira causa. Vejo nessa descrição científica importante ensinamento para todos nós. Temos de reagir às agressões, mas não ao ponto de a reação se tornar um novo problema, talvez até mais grave. Inflamar-se pode ser associado a fugir do controle, a perder a cabeça, a não medir as consequências dos seus atos. Para não deixar que a providencial inflamação se torne um mal, o corpo tem de se regular. Para evitar que ...

Geraldo & Antônio, uma dupla santa

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Sílvio Ribas Falar de Curvelo (MG) é, inevitavelmente, evocar São Geraldo. O santo, tão ligado à cidade, empresta seu nome à majestosa basílica dela, à fé de milhares de devotos e ao fluxo incessante de romeiros vindos de todos os cantos do Brasil — e até do exterior. A presença de São Geraldo está entranhada na cultura e na alma dos curvelanos, muitos dos quais batizados de Geraldo ou Geralda, como bênção familiar. Mas há um curioso detalhe que nutre o mistério espiritual de Curvelo: o padroeiro é outro santo, o português Santo Antônio, igualmente milagreiro, cujo nome era também o do padre Corvello, fundador da cidade e devoto fervoroso do franciscano lisboeta. Assim, o município tem por protetores dois santos que, embora distintos, parecem dividir a mesma devoção popular — uma dupla celestial que rende episódios saborosos. Não foram poucos os visitantes ilustres que se confundiram com essa duplicidade. Recordo o então presidenciável Geraldo Alckmin, em 2006, que pediu a bênção ao “p...

1980s, a década prometida

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Os anos 1980 acabaram há 35 anos, mas continuam vivos em corações e algoritmos. Para quem os viveu, como eu, a lembrança vem com um brilho de orgulho. Era o tempo do inédito, da ousadia, da trilha sonora inesquecível. O curioso é ver adolescentes de hoje, como o meu filho, que nunca giraram uma fita cassete, se encantarem por sintetizadores, jaquetas coloridas e cabelos armados como se descobrissem um tesouro. Talvez seja a prova de que aquela década foi mesmo especial — uma era de autenticidade e de rebeldia criativa que falta ao presente. Em tempos de telas frias e comportamentos pasteurizados, os eighties seguem reluzindo como um refúgio vibrante. A internet virou o novo túnel do tempo, onde os nostálgicos e os curiosos mineram clipes, filmes e estilos, reconstruindo o passado com filtros e pixels. E agora, com a ajuda da inteligência artificial (IA), esse revival ganha contornos quase mágicos: cenários recriados, personagens renascidos, convites digitais para viagens “de volta ...